A Lei estadual nº 13.457/09, que disciplina o processo administrativo tributário no Estado de São Paulo, suscita questões controvertidas, com implicações na carga tributária do contribuinte paulista autuado, especialmente no âmbito do ICMS e do ITCMD. Em 2017, a Lei nº 16.498 promoveu alterações na referida norma, levantando algumas celeumas.
Por outro lado, a discricionariedade da Presidência do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo (TIT/SP) e a implantação do processo administrativo eletrônico (ePAT) conferiram maior celeridade e qualidade aos julgamentos dos Autos de Infração e Imposição de Multa (AIIM) lavrados. Cobra relevo a análise de específicos pontos da legislação e de trâmites processuais.
O primeiro ponto se refere ao valor que define a competência para julgamento do AIIM. Até a publicação da Lei nº 16.498/17, decisão de primeira instância proferida em AIIM cujo débito fiscal, exigido na data da lavratura, superasse 5.000 UFESP, ensejava a interposição de recurso dirigido ao TIT/SP – montantes inferiores eram apreciados pelo Delegado Tributário de Julgamento (DTJ).
Os processos eletrônicos trouxeram economia de tempo e maior qualidade nos debates e decisões
Ao alterar a importância para 20.000 UFESP, a nova lei poderá trazer reflexos como (i) a perda, por parte de quantidade significativa de contribuintes autuados, do acesso a órgão paritário, como é o caso do TIT/SP (composto por juízes servidores públicos e profissionais indicados por entidades de classe); (ii) limitação ao direito de defesa do contribuinte, em virtude da redução de instância julgadora nos AIIM iguais e inferiores a 20.000 UFESP (no TIT/SP, a matéria é rediscutida em Câmara Julgadora e Câmara Superior); (iii) tendência natural da crescente manutenção de AIIM nas decisões proferidas, apenas, por julgadores fazendários (DTJ); (iv) maior risco de insucesso da Fazenda Pública nas ações de execução fiscal, antecedidas de julgamentos fora da competência do TIT/SP, o que culminará com prejuízos decorrentes de ônus de sucumbência; (v) busca de socorro no Poder Judiciário, pelos contribuintes autuados em valores iguais e inferiores a 20.000 UFESP; (vi) e a possibilidade de segregação do período fiscalizado em mais de um AIIM, de sorte que o débito fiscal em discussão em cada um deles não supere 20.000 UFESP’S (apreciação apenas pela DTJ).
O segundo ponto concerne ao ePAT, cuja introdução prestigiou os princípios da celeridade e da eficiência administrativa. Os processos eletrônicos trouxeram (i) economia de tempo (maior rapidez entre a entrega do voto do juiz e a inclusão do processo em pauta de julgamento; além da redistribuição automática do processo a novo juiz relator, quando o julgador original não entrega o voto no prazo legal); e (ii) maior qualidade nos debates e decisões, eis que os demais julgadores da Câmara passaram a ter acesso prévio (antes do julgamento) ao processo e, eventualmente, ao voto a ser apresentado pelo seu par em sessão de julgamento.
O terceiro ponto diz respeito à realização de sustentação oral em julgamento. Louvável a dispensa de requerimento expresso para a realização da mesma e a sua produção em até 15 minutos, prorrogável por mais cinco. Sensível à questão, a Presidência do TIT/SP tem permitido a realização de nova sustentação quando, entre a apresentação do voto do relator e do voto do juiz com vista, é considerável o lapso temporal ou é significativa a mudança de composição da Câmara. Garante-se assim o exercício ao contraditório e à ampla defesa.
O quarto ponto guarda relação com a admissibilidade do recurso especial. Na nova lei, o mesmo não será admitido quando contrariar decisão tomada em sessão temática da Câmara Superior do TIT/SP (exceto quando a decisão recorrida diverge da jurisprudência dominante do STF e do STJ, conforme disciplinado em regulamento).
Indago: a importância das súmulas não será reduzida no caso de matéria ainda não apreciada pelo STF e STJ, até porque a decisão temática pode ser fruto do voto de qualidade (em que os julgadores estão divididos)? O não conhecimento do recurso especial não deveria estar adstrito à súmula, que expressa a vontade de maioria significativa da Câmara Superior (mínimo de 2/3 de seus integrantes)? Na inexistência de leading case no STF/STJ, não deveria ser admitida, como paradigma, a decisão de quaisquer tribunais judiciários locais? Caminho alternativo não seria a dispensa de paradigma, quanto à matéria não apreciada pelo STF/STJ? A mesma dispensa também não deveria ser considerada, na ausência de leading case no TIT/SP?
O quinto ponto é relativo à matéria constitucional. Se de um lado o artigo 28, da Lei nº 13.457/09, veda (em regra) ao juiz do TIT/SP afastar aplicação de lei sob alegação de inconstitucionalidade, a parte final do artigo 49, parágrafo 10º, da Lei nº 13.457/09, reconhece as decisões do STF (que tratam, justamente, de matéria constitucional) como paradigma, para o conhecimento do recurso especial.
Revela-se situação curiosa, na medida em que o juiz do TIT/SP deverá considerar decisão do STF para o conhecimento do recurso e fazer vista grossa ao seu conteúdo quando da análise do mérito da peça recursal.
O sexto ponto se relaciona à penalidade aplicada. O artigo 527-A do RICMS/SP (Decreto nº 45.490/00) faculta ao julgador do TIT/SP a redução ou a relevação da multa, desde que atendidos específicos requisitos. A Lei nº 16.498/17 condicionou tal possibilidade ao mínimo de três votos, dos quatro possíveis das câmaras julgadoras.
Eduardo Soares de Melo é professor do IBET, juiz da Câmara Superior do TIT-SP e advogado do escritório Honda, Teixeira, Araújo, Rocha Advogados
Fonte : Valor Econômico- 13/3/2018-