A Lei de Recuperação Judicial, que completou dez anos em fevereiro, tem uma série de “defeitos” que acabam fazendo com que as empresas relutem em adotá-la e prolonguem a própria agonia, diz o advogado Thomas Felsberg.
“A insolvência é como um câncer que atrapalha todo o funcionamento da economia. Quanto antes o empresário entrar com a recuperação, melhor”, diz Felsberg, um dos maiores especialistas em recuperação judicial do país.
Folha – Dez anos depois, qual a sua avaliação sobre a lei?
Thomas Felsberg – Por melhor que seja uma lei de recuperação, é quase indispensável ajustar depois de três ou quatro anos, como aconteceu na maioria dos países, pois a prática é sempre diferente da teoria. Mas isso não foi feito aqui. Nem parece estar na pauta do governo fazer isso.
Thomas Felsberg, especializado em recuperações judiciais
Quais seriam esses ajustes?
Há inúmeros. O empresário brasileiro não tem uma segunda chance, como acontece na maior parte do mundo.
A lei diz que ele pode recomeçar depois de cinco anos, mas só depois de terminar o processo de insolvência –que não termina nunca, pois as ações de execução se estendem por dezenas de anos.
Isso é um erro. Por que não a partir do momento que ele transfere os bens para o administrador judicial? Parece que estou falando para favorecer o empresário. Mas existe uma razão econômica e jurídica importante. Insolvência é doença. Quanto antes você reconhece, maiores as chances de curar.
Se ele não tem uma segunda chance, vai ficar postergando, e a recuperação pode acabar se tornando inviável.
Há uma desconfiança por parte do legislador?
Sim, acham que isso vai ser usado para malandragem. O sujeito, antigamente, quando quebrava o credor, ia lá, levava a mulher e os filhos, a cabeça, o braço direito. Hoje em dia não, é o patrimônio. Depois que ele transfere os bens para administrador, ele não tem mais nada que fazer.
Não há razão para que ele não possa se organizar de novo e ter uma vida normal. A falta de lei adequada é que favorece a malandragem, que a pessoa viva à margem.
As empresas em recuperação também encontram dificuldades em se financiar. Como melhorar isso?
A lei diz que todo mundo que concede algum tipo de crédito para uma empresa em recuperação vai ter tratamento preferencial. Isso é errado. Veja: o importante é o financiamento da recuperação.
Nos EUA, a empresa entra em recuperação e apresenta ao mercado o “deep finance”, que é quanto ela conseguiu de capital de giro para tocar o negócio. É o “deep finance” que tem que ser privilegiado. Não qualquer pessoa que faça um negócio com a empresa, como um fornecedor de matéria prima.
Se a empresa consegue capital de giro, quem fizer negócio com ela tem um risco muito pequeno, pois ela está financiada. O fornecedor não precisa de privilégio, e sim quem financia a recuperação.
Mesmo com os problemas da lei, este parece ser um ano agitado para pedidos de recuperação, com operação Lava Jato e a economia parada.
Com inflação de 8%, recessão e dólar a R$ 3,30 e subindo, tem muita empresa que vai pedir água. É normal.
Já no caso das empresas envolvidas na Lava Jato, há um problema adicional. Elas estão sujeitas a inúmeras contingências. Multa criminal, por lavagem de dinheiro, do Cade, Receita Federal, Departamento da Justiça dos EUA, mais as ações que vão sofrer por parte de acionistas.
Isso pode inviabilizar a recuperação?
As multas devem aumentar o número de empresas grandes em recuperação. Para pagá-las, as empresas vão precisar vender ativos livres de contingências e para isso vão precisar da proteção da lei. Não sou a favor da impunidade. Tem que pagar.
Mas sou contra inviabilizar uma empresa que muitas vezes tem condição de contribuir muito para a economia e gerar emprego. Não se pode voluntariamente reduzir as multas previstas na lei, pois os servidores públicos que as aplicam podem estar sujeitos a penalidades.
Mas um mecanismo possível seria ajustar os valores pela de recuperação judicial.
Sem esse ajuste, a empresa morre. É melhor pagar alguma multa a não pagar nada. Isso não é defender impunidade. Embora a nova lei de corrupção ache que as empresas podem ser condenadas criminalmente, em geral, quem comete crime são os indivíduos, não as empresas.
Fonte- Folha- 27/3/2015- http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2015/03/1608832-advogado-sugere-rever-lei-da-recuperacao-judicial.shtml