Por José Carlos Bonfiglioli
Diz velho ditado que decisão judicial não se discute, se cumpre. Não obstante, é impossível permanecer omisso diante da Súmula nº 244 que, embora correta nos incisos I e II, comete grave violência no de nº III, cujo texto determina: “A empregada gestante tem direito à estabilidade provisória prevista no art. 10, inciso II, alínea “b”, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, mesmo na hipótese de admissão mediante contrato por tempo determinado”. O trabalho temporário nas empresas urbanas é regido pela Lei nº 6.019/74. Tem como finalidade resolver problemas de substituição em casos de afastamentos passageiros de empregados, ou decorrentes de acréscimo ocasional e extraordinário de serviços.
Exemplo clássico é a empregada em fase de gestação, substituída, temporariamente, por outra apta a responder pela função. Após dar à luz o filho, ela reassumirá o posto. Quanto à temporária, contratada de conformidade com o texto da lei pelo período máximo de três meses (limite imposto pelo art. 10 da referida norma legal) terá a relação de trabalho extinta. Não pedirá demissão, nem será demitida. O vínculo que a prende à tomadora e à fornecedora de mão-de-obra (insista-se, apenas temporário), se desfaz, sendo impossível falar-se em despedida.
Nos termos em que está redigido o inciso III da Súmula nº 244, quando a empregada retornar, se a substituta denunciar estado de gravidez, criar-se-á impasse incontornável. A relação temporária de trabalho deixou de existir, desapareceu do mundo jurídico, como manda a lei. No estabelecimento onde substituía a temporária, não poderá legalmente permanecer, por não ser empregada; para a fornecedora de trabalho não voltará, diante da inexistência de contrato de trabalho. Tome-se, como exemplo, empregada substituta de enfermeira; extinta a relação de trabalho não continuará na tomadora de serviços, tampouco será aproveitada pela fornecedora, por ausência óbvia de enfermaria.
A empresa de trabalho temporário é mera agência de colocação de mão-de-obra, intermediária entre quem presta serviço ocasional e a tomadora de serviços, eventualmente necessitada de trabalhador ou trabalhadora substituta. Não é empregadora.
A Lei nº 6.019/74 é rigorosa. Foi concebida e elaborada para impedir abusos. Veja-se o disposto pelo art. 15. Concluído o período contratual, de no máximo três meses, cessa a relação de trabalho entre o substituto, o tomador, e a empresa de trabalho temporário (art. 2º). Além dos impeditivos já citados, é flagrante a impossibilidade de manutenção dos temporários em suas atividades após o prazo legal disposto na Lei 6.019/74 pela empresa de trabalho temporário, dada a inexistência de instrumento contratual adequado com base nessa lei, ou c om base na CLT por tempo determinado por força do seu art. 452 ou, ainda, com base na CLT por prazo indeterminado por força da Súmula 331 do C.T ST. O Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que serve de fundamento para a Súmula nº 244 é claro quando diz, no mencionado art. 10, II: b: “fica vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa”.
Casos de dispensa são inconfundíveis com situação na qual o contrato de trabalho é extinto pelo decurso do tempo previsto em lei, limitado a três meses. A Lei nº 6.019/74 reconhece, no art. 13, a possibilidade de rescisão do contrato de trabalho temporário nos casos previstos nos artigos 482 e 483 da CLT. Não é disso, porém, que aqui se trata, mas do inevitável e imperativo desaparecimento do vínculo, por determinação legal, e ao qual não podem se opor o prestador, o tomador de serviços, a trabalhadora. Registre-se que o trabalhador temporário, como prestador de serviço, não faz jus a aviso-prévio e à indenização calculada sobre os depósitos do FGTS, por não se tratar de despedida imotivada (ADCT, art. 10, II). As garantias de que gozam são exclusivamente aquelas do art. 12 da Lei nº 6.019, não as da CLT.
A persistir a Súmula nº 244 todos sofrerão prejuízos. A mulher, a quem se pretendeu proteger, também não estará a salvo, porque, a fim de evitar custos impossíveis de serem suportados, as agências de trabalho temporário evitarão cadastrar mulheres em idade fértil, para dar preferência àquelas com mais de 35 ou 40 anos de idade. Idênticos argumentos são aplicáveis à Súmula nº 378, que assegura estabilidade provisória ao temporário, acidentado no trabalho.
Nas boas escolas de Direito se leciona que o papel mais relevante da legislação positiva consiste em garantir segurança jurídica à sociedade. Ensina-se, também, que jurisdição é atividade do Estado destinada à aplicação das leis, e que o juiz exerce o livre-arbítrio dentro, porém, dos estritos limites da legislação, pois não dispõe de vontade própria.
A Súmula nº 244, com o respeito devido a ilustres integrantes do Tribunal Superior do Trabalho, coloca-se acima da Constituição e da Lei nº 6.019/74 já provocando, desde a sua divulgação, volume assustador de reclamações trabalhistas, boa parte com sentenças favoráveis aos reclamantes que laboraram como temporários, em face do entendimento que dela fazem ou magistrados de 1ª e 2ª Instância da Justiça do Trabalho. Impõe, ainda, entre as empresas fornecedoras e as empresas que necessitam de substituição temporária de empregado permanente, ou de suprir acréscimo extraordinário de serviço, clima insuportável de insegurança, gerador de prejuízos presentes, passados e futuros.
O autor é advogado inscrito na OAB/SP sob o nº 49855; é presidente da Jobcenter do Brasil e ex-presidente do Sindicato das Empresas de Prestação de Serviços a Terceiros, Colocação e Administração de mão de Obra e de Trabalho Temporário no Estado de São Paulo, e ex-presidente da Federação Nacional dos Sindicatos de Empresas de Recursos Humanos, Trabalho Temporário e Terceirizado – FENASERHTT.
Fonte- Cebrasse- http://www.cebrasse.org.br/noticias.php