O número de pedidos de recuperação judicial bateu um recorde histórico este ano, cerca de 62% a mais do que o mesmo período de 2015. Tudo isso é decorrente de uma grave crise econômica que o Brasil enfrente, e são os pequenos e médios investidores que sofrem com a maior parte das consequências. Combinada com diversos outros fatores, o longo processo de recessão tem feito as empresas entrarem na justiça com pedidos de recuperação judicial como uma forma de ainda sobreviverem no mercado. Mas como funciona esse processo? Qualquer um pode pedir? Quais as consequências disso para os negócios? A advogada Carlina Di Lullo, do escritório da Giugliani Advogados, responde às principais dúvidas.
Por que muitas empresas estão pedindo recuperação judicial na atualidade?
O Brasil enfrenta uma crise que vem se prolongando e afetando diversos setores do mercado, o que prejudica o fluxo de caixa dos empresários, bem como diminui o crédito disponível no mercado – seja o crédito propriamente dito (empréstimos) quanto aquele proveniente das relações comerciais (possibilidade de parcelamento de pagamentos junto a stakeholders primários como fornecedores). Estas condições, atreladas a queda nas vendas e/ou serviços, necessidade de adimplemento de obrigações já contraídas e, o risco da negativação ou protesto de seu nome, levaram muitos empresários a acreditar que a recuperação judicial seria um mecanismo que permitiria a manutenção de sua atividade, ou seja, a sobrevivência.
A partir de que momento a empresa pode pedir recuperação judicial?
Entendemos que a recuperação judicial deverá ser a última alternativa tomada pelo empresário. Indicamos em primeiro lugar uma recuperação “branca”, ou seja, uma espécie de recuperação extrajudicial, que ocorre fora do poder judiciário, através da análise de alguns fatores que são indicadores do insucesso econômico que os empresários estão passando e elaboração de estratégias específicas para gestão destes fatores, de modo a equilibrar a atividade empresarial e criar prioridades para resolução. Os fatores mencionados acima são facilmente identificáveis em todas as empresas que passam por dificuldades financeiras e são eles:
1. Endividamento tributário – Impossibilidade de pagamento dos tributos incidentes sobre a operação e criação de passivo tributário. As medidas que costumamos tomar para auxiliar nossos clientes neste quesito são: verificação do regime tributário da empresa (se é o mais apropriado à atividade); análise dos tributos incidentes sobre a atividade; verificação de oportunidades tributárias para diminuição da carga incidente ou ainda compensação de pagamentos realizados a maior pelo contribuinte de tributos gerando fluxo de caixa imediato (por exemplo, a recuperação dos 20% pagos ao INSS sobre a folha de salário que não deverá incidir sobre as verbas de cunho indenizatório pagas aos empresários); análise do passivo existente.
2. Endividamento bancário – Impossibilidade de pagamento dos contratos bancários existentes e criação de passivo bancário. Neste caso, costumamos proceder com a análise e recalculo dos contratos bancários com a finalidade própria de renegociá-los junto às instituições bancárias, levando em consideração as possibilidades e condições que a empresa conseguirá arcar. Identificamos nestes casos também algumas taxas e encargos cobrados de modo irregular pelas instituições financeiras de modo a requerer a compensação dos mesmos com os pagamentos em atraso ou ainda o reembolso – o que será analisado caso a caso.
3. Endividamento com stakeholders – fornecedores – Impossibilidade de pagamento dos fornecedores nas datas apresadas ou ainda de parcelamento de pagamentos em vista de possível negativação em mercado. Buscamos neste caso a renegociação de todas os passivos envolvendo fornecedores ou ainda renegociação de contratos, a fim de viabilizar a atividade empresarial, prezando sempre pela transparência e bom relacionamento para com os fornecedores. Analisamos também os negócios jurídicos firmados para verificar se há alguma onerosidade excessiva que inviabilize sua manutenção pelo cliente, bem como renegociação com os fornecedores.
Caso após a realização destes serviços seja verificado que a gestão da empresa se encontra muito debilitada e que o endividamento existente é muito superior do que a capacidade de recuperação da empresa, será indicada a recuperação judicial.
O que ela deve apresentar à justiça para isso? O que deve constar em seus documentos, etc?
A empresa que pretender ingressar com pedido de recuperação judicial deverá apresentar ao poder judiciário uma petição inicial com a exposição das causas concretas da situação patrimonial do devedor e das razões da crise econômico-financeira. Além disto, deverá seguir o artigo 51 da Lei de Recuperações Judiciais [Lei nº 11.101/2005] que traz o rol da documentação necessária para ingresso com pedido, como por exemplo: as demonstrações contábeis relativas aos três últimos exercícios sociais; balanço patrimonial; relatório gerencial de fluxo de caixa e de sua projeção; a relação nominal completa dos credores; a relação integral dos empregados entre outros. Após o deferimento pelo juízo do processamento da recuperação judicial, o devedor deverá apresentar, no prazo de 60 dias um plano de recuperação judicial que, em suma, representa como este pretende sair de sua situação atual e quitar suas pendências junto aos seus credores.
Qualquer empresa pode pedir recuperação judicial? Existe alguma diferença das empresas de grande porte para as de pequeno porte?
Qualquer empresário ou sociedade empresária poderá requerer recuperação judicial, com exceção: empresa pública e sociedade de economia mista; instituição financeira pública ou privada, cooperativa de crédito, consórcio, entidade de previdência complementar, sociedade operadora de plano de assistência à saúde, sociedade seguradora, sociedade de capitalização e outras entidades legalmente equiparadas às anteriores. O porte da empresa não influencia no pedido de recuperação judicial, mas tão somente na repercussão que este pedido terá do mercado.
Quando é encerrado um processo de recuperação judicial?
O processo de recuperação judicial apenas será encerrado com sucesso quando a empresa cumprir com o seu plano de recuperação aprovado pelo judiciário. Caso o devedor não consiga cumprir com o plano de recuperação, esta poderá ser convertida em falência, o que culminará na paralisação da atividade econômica empresarial.
Este tipo de ação mancha a imagem de uma empresa, caso ela tenha, por exemplo, ações na Bolsa de Valores?
Sim, uma vez que uma de suas consequências será a suspensão de negociação de suas ações na Bolsa de Valores.
E se o pedido for negado? Por que foi negado e quais consequências para a empresa?
O pedido poderá ser negado caso os requisitos processuais não sejam cumpridos, como a falta de alguma documentação essencial. Também poderá ser negado caso a empresa pretenda obter, por via transversa, os efeitos decorrentes do processamento da recuperação judicial – ou seja, se utilize indevidamente do pedido de recuperação judicial para obter outro fim que não sua recuperação financeira. Por exemplo, conseguir um empréstimo bancário que antes não havia sido concedido devido às negativações que possui em seu nome.
As empresas conseguem, normalmente, ganhar a ação na justiça?
Infelizmente não. No Brasil, apenas 1% das empresas que solicitam recuperação judicial conseguem, efetivamente, sair dela com sucesso. Com a crise, setembro teve recorde de pedidos de recuperação judicial – foram registradas 244 solicitações neste sentido. Por derradeiro de janeiro a setembro deste ano os pedidos tiveram alta de 62% se comparado com o mesmo período do ano de 2015. Esta situação é preocupante, haja vista que o Poder Judiciário está sendo “atolado” de pedidos de recuperação judicial, tornando-o a análise individual de cada pedido mais morosa, prologando a discussão sobre os rumos da empresa por anos, situação esta totalmente desfavorável ao empresário que busca com o referido pedido exatamente uma solução rápida e eficaz para manutenção de suas atividades.
Recentemente, muitas empresas envolvidas em escândalos de corrupção pediram recuperação judicial. Por lei, o fato de ter ocorrido alguma ação criminosa, pode impedir a recuperação judicial?
A Lei 11.101/2005 prevê em seu artigo 48, IV que poderá pleitear a recuperação judicial o empresário ou sociedade empresária desde que não teria sido condenada ou não tenha, como administrador ou sócio controlador, pessoa condenada por crime como, por exemplo, fraude contra credores.
Fonte: Serasa Experian- 7/10/2016-
http://www.contabeis.com.br/noticias/29651/a-dificil-situacao-financeira-das-empresas-brasileiras-levam-cada-vez-mais-a-recuperacao-judicial/