Tema de muita discussão e dúvidas, este texto trata das penas de revelia e confissão, institutos diversos de aplicação recorrente nos processos trabalhistas, que acarretam efeitos prejudiciais tanto de ordem material quanto processual aos reclamados afetados.
Inicialmente, insta conceituar revelia, que, conforme o doutrinador Gustavo Filipe Barbosa Garcia, nada mais é que a ausência de apresentação de defesa pelo réu, o qual, mesmo citado, permanece inerte, sendo considerada uma espécie de contumácia, esta por sua vez traduzida como sendo a deliberada desobediência a ordens judiciais[1].
Antes do advento da Lei 13.467/2017, o cenário em torno da revelia era ainda mais drástico do que se vislumbra hoje, eis que a mera ausência do reclamado à audiência importava em sua aplicação e ao consequente não recebimento da defesa, sendo a reclamada então considerada confessa quanto à matéria de fato alegada na exordial.
Na teoria, isso significava que, ainda que a contestação e demais documentos comprobatórios fossem apresentados antes da audiência por meio eletrônico, a tese defensiva não seria considerada para o julgamento da lide, diante da revelia e consequente confissão ficta aplicadas à reclamada.
Referida regra fazia-nos crer ainda mais que o processo do trabalho era um processo de partes e não de procuradores, como temos no processo civil, tendo em vista a maior valorização da presença do reclamado em audiência, em detrimento da presença do advogado devidamente constituído.
No entanto, a reforma trabalhista aproximou ainda mais o processo do trabalho às regras do processo civil, reconhecendo que o fato gerador dos efeitos da revelia somente ocorre com a ausência da defesa do reclamado no momento oportuno, tal como é previsto no artigo 344 do Código de Processo Civil: “Se o réu não contestar a ação, será considerado revel e presumir-se-ão verdadeiras as alegações de fato formuladas pelo autor”.
Essa alteração é percebida na medida que hoje há possibilidade de juntada prévia da defesa por sistema eletrônico e seu recebimento ser acolhido em audiência apenas diante da presença do advogado do reclamado, ainda que ausente este, não havendo nesses casos a aplicação dos efeitos da revelia, mormente a confissão ficta.
Assim, ao que parece, houve uma importante separação entre os institutos da revelia e o da confissão ficta, eis que antigamente uma era interligada à outra como causa e efeito automático. No entanto, atualmente, ambas parecem coexistir sem dependência, podendo a reclamada ser considerada revel pelo não comparecimento em audiência, sem que haja aplicação dos efeitos dessa revelia, ante a apresentação prévia da contestação, não havendo, neste caso, confissão quanto às matérias de fato.
Neste sentido, dentre as alterações promovidas pela Lei 13.467/2017, merecem evidência as inovações inauguradas pelos artigos 841, parágrafo 3º, que trata do oferecimento eletrônico da defesa, o artigo 847, parágrafo único, que, relativizando ainda mais a oralidade do processo do trabalho, estabelece que a defesa poderá ser apresentada por escrito até a audiência ou oralmente no decorrer desta e, por último, o parágrafo 5º do artigo 844, que possibilita a juntada da contestação pelo advogado presente em audiência, ainda que ausente o reclamado[2].
Apesar das inovações trazidas pela reforma trabalhista, que sem dúvidas estão alterando sensivelmente os resultados dos processos, tem-se que o instituto da revelia sempre foi precariamente aplicado pelos juízes de primeira instância, havendo inúmeros casos recentes de reversão nos tribunais superiores.
Isto porque, por ser um dos maiores ônus existentes no âmbito processual, a revelia deveria ser aplicada em casos em que se constatasse efetivamente a inércia consciente do reclamado, ou seja, quando este, citado e sabendo de seu direito/dever de resposta, permanecesse silente. No entanto, o que se verificava era uma aplicação irrestrita das penalidades em questão, em casos que, no senso comum, elas não seriam cabíveis.
Para ilustrar o acima alegado, convém mencionar o julgamento pelo Tribunal Superior do Trabalho de um recurso de revista que tratava de empresas que não haviam sido intimadas pessoalmente acerca da audiência de instrução e, portanto, não tinham conhecimento desta. No caso em questão, no entanto, as empresas foram consideradas revéis e confessas diante do não comparecimento ao ato processual, em evidente episódio de cerceamento de defesa e ofensa aos princípios do contraditório e da ampla defesa.
Neste caso o recurso foi provido, e a condenação, anulada, pois no entendimento da 8ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho, manifestada por meio do relator, ministro Márcio Eurico Vitral Amaro:
(…) para a incidência da penalidade de confissão, é imprescindível a intimação pessoal e expressa da parte, contendo, inclusive, a advertência de aplicação da revelia em caso de não comparecimento”[3].
Em outro contexto, a 4ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho julgou recurso de uma empresa que havia sido considerada revel pelo tribunal da 8ª Região apenas e tão somente por ter apresentado documentos de representação, como carta de preposição e documentos societários, fora do prazo concedido em audiência.
No entanto, mais uma vez, houve reforma do acórdão pelo TST, pois, segundo o relator, ministro Caputo Bastos, a não juntada da carta de preposição e dos atos constitutivos da empresa não induz ao reconhecimento da revelia e à consequente aplicação da confissão ficta, tendo em vista não haver no ordenamento jurídico exigência de apresentação dos referidos documentos[4].
Assim, como se observa, a aplicação da revelia estava sendo realizada de forma extensiva pelos juízes de primeiro grau e tribunais regionais do trabalho, caracterizando efetivo cerceamento de defesa às reclamadas, o que aparentemente estava sendo controlado pela instância superior, em especial por se tratar de penalidade que atenta contra alguns dos princípios constitucionais mais importantes do ordenamento jurídico, como os do contraditório e da ampla defesa, previstos no artigo 5º, LV, da Constituição Federal.
Esta é a realização na prática de uma importante função do TST, que busca a uniformização da jurisprudência trabalhista, garantindo que a pena de revelia seja aplicada com parcimônia e em casos efetivamente devidos, nos quais há evidente inércia da parte no comparecimento e na apresentação de defesa, o que se espera que ocorra ainda mais agora com as alterações trazidas pela Lei 13.467/2017 e com o aumento da produtividade deste tribunal.
Cumpre aguardar as posições que serão adotadas pelos juízes de primeiro grau e pela jurisprudência a respeito dessa importante alteração, o que certamente continuará sendo reanalisado pelos tribunais superiores.
[1] GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. CLT Comentada – 3. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, São Paulo; Método, 2018 – pág. 1032.
[2] BRASIL. LEI 13467, de 13 de julho de 2017. Altera a Consolidação das Leis do Trabalho aprovada pelo Decreto-lei n. 5.452, de 1 de maio de 1943, Brasília, DF, julho 2017. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2017/Lei/L13467.htm>. Acesso em: 18.nov.2018.
[3] Notícias TST – Empresa não intimada pessoalmente para audiência consegue anular condenação. 11.2018. Disponível em: <http://www.tst.jus.br/web/guest/noticias/-/asset_publisher/89Dk/content/empresa-nao-intimada-pessoalmente-para-audiencia-consegue-anular-condenacao> – Processo RR-10105-73.2013.5.01.0019. Acesso em: 18.nov.2019.
[4] Notícias TST – Afastada revelia de empresa que apresentou documentos fora do prazo. 11.2018. Disponível em: <http://www.tst.jus.br/web/guest/noticias/-/asset_publisher/89Dk/content/afastada-revelia-de-empresa-que-apresentou-documentos-fora-do-prazo> – Processo: RR-1023-34.2015.5.08.0122.
(*) Ana Carolina Folster Lopes é sócia do AMBF Advogados, graduada em Direito pela Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep) e especializanda em Direto e Processo do Trabalho pela Escola Superior de Advocacia (ESA).
Fontes: Revista Consultor Jurídico, por Ana Carolina Folster Lopes -15.02.2019;
http://www.granadeiro.adv.br/clipping/2019/02/15/a-aplicacao-das-penas-de-revelia-e-confissao-no-processo-trabalhista