A terceirização está na ordem do dia. Ela foi inicialmente prevista em leis (nº 6.019/74 e nº 7.102/83), destinadas à sua regulamentação na contratação de serviços temporários e de vigilância. O mercado, porém, começou a criar suas próprias condições, o que tornou complexa a aplicação do mecanismo.
Diante disso, a jurisprudência do TST (Tribunal Superior do Trabalho), que adotara um posicionamento restritivo (enunciado 256: salvo trabalho temporário e serviço de vigilância, seria ilegal a terceirização), acabou por rever sua posição mediante o enunciado 331.
Em seu item 3º, para além da admissão de contratação de serviços de vigilância e de conservação e limpeza, admitiu também os serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta, estabelecendo a responsabilidade subsidiária do tomador de serviço em caso de inadimplemento de obrigações trabalhistas de parte do empregador terceiro.
Foi essa distinção entre atividade-fim e atividade-meio que provocou maiores discussões.
O projeto de lei nº 4.330/04, em discussão no Congresso Nacional, lida com o tema. Ele tem, de um lado, um conteúdo social (interesse trabalhista), mas afeta, de outro, um interesse privado (gestão empresarial), relações privadas entre a empresa e suas concorrentes num mercado livre –princípio constitucional da livre iniciativa.
Tais relações, em termos de terceirização, são elemento importante do planejamento privado: inserem-se na atividade gerencial e submetem-se a uma racionalidade econômica própria da livre concorrência.
Do ângulo da valorização do trabalho humano, a liberação da terceirização para operações essenciais e não essenciais provoca um movimento de mercado na direção de promoção de capital intensivo, mas também de desconcentração, por exemplo, na promoção da empresa de pequeno porte.
O que entra em jogo é a função social da micro e pequena empresa (Constituição Federal, inciso IX do artigo 170). O tratamento mais favorecido a empresas de pequeno porte cria condições para estimular e ampliar sua participação nos mercados, contribuindo para o desenvolvimento socioeconômico do país.
Em sede constitucional, dois fatores mais importantes justificam o tratamento favorecido: (a) o maior potencial delas na geração de empregos em comparação às demais empresas e (b) os benefícios que a maior quantidade de empresas ofertando produtos e serviços proporcionam aos consumidores, no que, obviamente, elas preenchem sua função social em termos de justiça social.
Na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o ministro Dias Toffoli o reconhece, ao lembrar que 97,5% das empresas registradas em nosso país são microempresas ou empresas de pequeno porte, sendo que elas geram 57% dos empregos formais e respondem por 26% da massa salarial total do Brasil.
Ora, normas como a do artigo 170, inciso IX, não são aplicáveis diretamente, mas são consideradas violadas quando a lei ou uma decisão judicial com base nela estabelece regras que vão de encontro ao comando-valor que explicitam.
Daí uma cautela necessária na elaboração da lei. Afinal, uma distinção que envolva limitações em termos de atividade-fim e atividade-meio pode levar ao oposto do exigido pelo princípio constitucional de favorecimento à empresa de pequeno porte.
Ao exigir a integração vertical da grande empresa, desfavorece as pequenas empresas, produzindo efeitos inversos à busca de pleno emprego e à diminuição das desigualdades, justamente porque as despreza por suas condições, ao vê-las como não dispondo de capital suficiente para fazer frente, por exemplo, aos encargos sociais.
TERCIO SAMPAIO FERRAZ JUNIOR, 73, advogado, é professor titular aposentado da Faculdade de Direito da USP e autor do livro “A Ciência do Direito” (Atlas)
Fonte- Folha- 12/5/2015- http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/05/1627694-tercio-sampaio-ferraz-junior-a-terceirizacao-e-a-constituicao.shtml