O decreto assinado pela presidente Dilma Rousseff que regulamenta a Lei Anticorrupção, como parte do pacote anunciado pelo governo federal na semana passada, “extrapola” a legislação, avalia Gilson Dipp, ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e um dos mentores das varas especializadas na temática lavagem de dinheiro. “Se a lei era questionada, com o regulamento será mais questionada ainda. E quem vai dar a última palavra será o Judiciário”, avaliou o ex-ministro na manhã desta terça-feira, 24, durante discussão sobre a Lei Anticorrupção no Tribunal de Contas da União (TCU).
Entre os problemas, ele cita a falta de previsão de recursos, por exemplo, e a previsão de multas inferiores ao limite mínimo. Para Dipp, o atraso na regulamentação da lei “contaminou” a discussão com os fatos concretos da Operação Lava Jato. A Lei 12.846, conhecida como Lei Anticorrupção, foi sancionada em agosto de 2013, entrou em vigor em janeiro de 2014 e foi regulamentada apenas na última semana. “Estamos colocando essa lei casuisticamente. Estamos examinando frente ao quê? À Operação Lava Jato, o que causa distorção na aplicação da lei, que já é complexa por sua própria natureza”, disse o ministro.
Segundo ele, “atores indesejados” na discussão são trazidos ao debate atualmente, como o Ministério Público e o Tribunal de Contas. O ex-ministro defende que não deve haver participação dos dois órgãos na celebração de acordos de leniência entre empresas envolvidas em esquemas de corrupção e desvios e Poder Público. “O MP quer participar do acordo de leniência. Não deve. Já participa da colaboração premiada. Sobre o TCU, onde está a possibilidade na lei de intervenção do TCU?”, questiona Dipp.
No caso da Operação Lava Jato, a leniência com empreiteiras envolvidas é defendida pelo governo federal como uma solução para evitar a paralisação de obras públicas no País e a quebra de empresas. Há cerca de um mês, contudo, procuradores envolvidos na investigação foram ao TCU pedir que o tribunal evitasse que os acordos fossem fechados. A alegação é de que o Ministério Público tem acesso a informações sigilosas do caso e os acordos não seriam benéficos para o avanço das investigações.
Dipp defende que a legislação não seja discutida com base apenas na Lava Jato. Tanto a Lei Anticorrupção quanto o decreto assinado por Dilma na última semana estabelecem que a competência para firmar os acordos, no âmbito da União, é da Controladoria-Geral da União (CGU). Apesar de não defender a participação de outras instituições, Dipp avalia que o decreto traz a CGU com “protagonismo exagerado” nesse processo.
O ex-ministro do STJ aponta ainda que o acordo de leniência traz para as empresas “muito mais problemas do que vantagens”. Ele menciona que um acordo com o Poder Público no âmbito administrativo não exclui ação penal se o ato configurar crime, tampouco exime a ação administrativa fiscal – por parte da Receita Federal. “Em tese, a empresa, quando se oferece, está colocando atos que talvez a administração não tenha sequer conhecimento, sem saber se esse acordo será celebrado”, diz.
Achaque
O presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Alexandre Camanho, presente ao evento, questionou o fato de não haver previsão para participação do Ministério Público. “Como esses acordos de leniência são firmados por autoridades executivas à inteira revelia de instâncias que possam avalizar isso? Não deixa de ser curioso que quem mais têm externado preocupação em relação à autonomia do Executivo são as próprias empresas por medo de, sejamos claros, achaque”, disse o procurador. Para ele, as instituições têm de trabalhar de “forma cooperativa” para não prejudicar o andamento das investigações”. 25/3/2015