Assim definiu a 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, responsável pela fixação da jurisprudência penal da corte, ao julgar que o Judiciário deve seguir os parâmetros descritos em lei federal, e não em portaria administrativa da Fazenda Federal. A decisão, por seis votos a quatro, seguiu o voto do relator, ministro Rogério Schietti Cruz.
Com a decisão, se encerra um capítulo importante em uma das maiores discussões a respeito do princípio da insignificância do país. STJ e Supremo Tribunal Federal têm entendimentos distintos quanto à aplicação da bagatela para o crime de descaminho. As turmas penais do STJ costumavam decidir em sentidos opostos, e com votações apertadas.
Entretanto, as duas turmas do Supremo entendem que a insignificância deve ser aplicada a casos em que o valor devido seja menor que R$ 20 mil. A questão nunca foi definida pelo Plenário em decisão com efeito erga omnes.
O valor mínimo para a execução fiscal está descrito na Lei 10.522/2002, no artigo 20, com a redação dada pela Lei 11.033/2004. Segundo a norma, a Fazenda não ajuizará execução fiscal para cobrar menos de R$ 10 mil. Era com base nesse artigo que o Judiciário aplicava a bagatela para casos de crime de descaminho.
Mas a quantia foi atualizada em 2012 por meio da Portaria 75/2012 do Ministério da Fazenda. Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) calculou que o custo de uma execução fiscal é de R$ 5,6 mil, mas a chance de a Fazenda reaver a quantia devida é de 25%.
O Ipea, então, concluiu que só seria economicamente viável cobranças a partir de R$ 21,7 mil. Por isso a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) recalculou o valor mínimo para o ajuizamento de execução fiscal para R$ 20 mil.
E foi com base nessa atualização que o Supremo passou a aplicar o teto de R$ 20 mil para recebimento de denúncias de crime de descaminho. No Habeas Corpus 119.849, da 1ª Turma, o ministro Dias Toffoli diz claramente que, “no crime de descaminho, o STF tem considerado, para a avaliação da insignificância, o patamar de R$ 20 mil, previsto no artigo 20 da Lei 10.522/02, atualizado pelas portarias 75/12 e 130/12 do Ministério da Fazenda”.
Conveniência administrativa
O entendimento do ministro Rogério Schietti, do STJ, é diferente. Segundo ele, a atualização do valor é uma adequação da conveniência administrativa da Fazenda para o ajuizamento de execução fiscal.
Para Schietti, adaptar essa conta à jurisdição criminal sem lei para tanto seria subordinar o Judiciário à conveniência fazendária, que se baseia em questões como “economicidade e eficiência administrativas”. Aplicar a insignificância ao valor descrito nas portarias seria permitir que a PGFN diga “o que a polícia deve investigar, o que o Ministério Público deve acusar e, o que é mais grave, o que — e como — o Judiciário deve julgar”, afirma o ministro em seu voto.
Outro argumento do ministro é que o fato de a Fazenda deixar de ajuizar execução fiscal não significa que ela desistiu do imposto devido. O que a PGFN passa a fazer é usar de meios administrativos de cobrança, como a inscrição do valor (e do devedor) na Dívida Ativa da União, o que tem se mostrado bastante eficiente, principalmente para pequenos valores.
“Como, então, aceitar como insignificante, para fins penais, um valor estabelecido para orientar a ação em sede executivo-fiscal, com base apenas no custo benefício da operação, se não houve, de fato, a renúncia do tributo pelo Estado?”, escreve Schietti.
Diferenças na insignificância
Rogério Schietti também cita estudo do professor Pierpaolo Cruz Bottini e da socióloga Maria Thereza Sadek sobre a aplicação do princípio da insignificância pelo Supremo. Segundo eles, em 86% dos casos de crime contra o patrimônio julgados entre 2005 e 2009, o valor esteve na faixa dos R$ 200. Em até 70% dos casos, a discussão envolvia bens de até R$ 100.
O ministro também cita conclusão do mesmo estudo de que a insignificância não é reconhecida pelas turmas do STF quando o valor dos bens roubados ou furtados chega a R$ 700. “Esses dados bem evidenciam que os crimes patrimoniais ‘de rua’ têm recebido tratamento jurídico completamente diverso e bem mais rigoroso se comparado ao que se dispensa aos crimes contra a ordem tributária e, em particular, ao crime de descaminho”, critica Schietti.
No caso do descaminho, a situação é ainda mais discrepante. Isso porque descaminho, conforme descreve o Código Penal, é o não pagamento de imposto devido na entrada de mercadorias. É um crime, portanto, ligado ao contrabando.
“Não há, por conseguinte, razão plausível em se restringir o âmbito de proteção da norma proibitiva do descaminho (cuja amplitude de tutela alberga outros valores, além da arrecadação fiscal, tão importantes no cenário brasileiro atual), equiparando-o, de forma simples e impositiva, aos crimes tributários”, questiona Schietti.
O relator foi acompanhado pelos ministros Felix Fischer e Maria Thereza de Assis Moura e pelos desembargadores convocados Ericson Maranho e Walter de Almeida Guilherme. Contra ele, votaram os ministros Sebastião Reis Júnior, Nefi Cordeiro, Gurgel de Faria e o desembargador convocado Newton Trisotto. Com informações da assessoria de imprensa do STJ.
REsp 1.393.317/PR
Fonte: Revista Consultor Jurídico; Clipping da Febrac- 19/11/2014.