A União continua autuando e apresentado recursos em questões tributárias consideradas pacificadas nos tribunais superiores. Nas ações, a Receita Federal e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) alegam que, em consequência de peculiaridades, os casos não se enquadrariam exatamente nos temas analisados pelo Judiciário – alguns sumulados.
Desde julho de 2013, a Receita está proibida de autuar contribuintes em razão de temas pacificados. A determinação está na Lei n º 12.844. A PGFN, por sua vez, está autorizada, desde 2002, pela Lei nº 10.522, a desistir de processos sobre essas discussões.
Um desses casos chegou recentemente ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). A PGFN ajuizou recurso especial contra decisão do Tribunal Regional Federal (TRF) da 2ª Região favorável ao levantamento de um depósito em um processo administrativo de uma distribuidora de bebidas. Os desembargadores aplicaram ao caso a Súmula Vinculante nº 21, do Supremo Tribunal Federal (STF). Os ministros decidiram que “é inconstitucional a exigência de depósito ou arrolamento prévios de dinheiro ou bens para admissibilidade de recurso administrativo”.
No recurso, a PGFN alega que a situação seria diferente porque o valor não seria mais uma garantia, mas parte do pagamento de uma condenação já existente. Segundo o pedido, “findo o prazo para a cobrança amigável, a conversão em renda é efeito automático da decisão definitiva contrária ao sujeito passivo no processo administrativo tributário”.
A procuradoria recorreu ao STJ, mesmo com parecer favorável do Ministério Público Federal (MPF) ao levantamento do depósito. Conforme o MPF, “tal quantia foi incluída no programa de parcelamento, cujo pagamento das parcelas vem sido honrado”.
Em outro processo semelhante, que envolve uma prestadora de serviços do Rio de Janeiro, a Delegacia da Receita Federal no Estado impediu o levantamento do depósito. O contribuinte também alegou no processo que a questão já foi sumulada pelo STF e obteve liminar a seu favor. Contudo, a Fazenda Nacional recorreu com a alegação de que a declaração de inconstitucionalidade não se aplica ao caso, pois o depósito prévio para recurso no Conselho de Contribuintes, refere-se a contribuições sociais, o que é regido por legislação própria, não julgada inconstitucional.
Em sua decisão, porém, a juíza Helena Elias Pinto, da 3ª Vara Federal do Rio de Janeiro, destacou que considera inconstitucional o depósito “seja qual for a natureza dos débitos discutidos no recurso administrativo, por violação ao devido processo legal”.
Em outra discussão, a Fazenda, mesmo sabendo que o caso já era pacífico não desistiu de ofício nem quando foi intimada a se manifestar sobre o pedido do contribuinte. O caso envolve um ex-diretor de uma usina que estava sendo responsabilizado por uma dívida tributária.
Segundo decisão do juiz federal substituto Gessiel Pinheiro de Paiva, da 2ª Vara Federal de Campos (RJ), o STJ já pacificou o entendimento, em julgado de 2006, que se deve aplicar nesses casos o inciso III, artigo 135, do Código Tributário Nacional. O artigo estabelece que “os sócios só respondem por dívidas tributárias quando exercerem gerência da sociedade ou qualquer outro ato de gestão vinculado ao fato gerador”. Ainda acrescenta que a questão foi confirmada pelo Supremo, ao reconhecer, posteriormente, a inconstitucionalidade do artigo 13, da Lei nº 8.620, de 1993, sob repercussão geral. Esse dispositivo vinculava à simples condição de sócio a obrigação de responder solidariamente pelos débitos da sociedade limitada perante a Seguridade Social.
O magistrado ainda ressaltou que “desde 2010 a PGFN possui expediente determinando que se deixe de recorrer em casos como tais, o que leva à obrigação processual da parte de, por boa-fé, requerer desde logo a exclusão”. Dessa forma, condenou a Fazenda Nacional a pagar R$ 10 mil de honorários advocatícios, que foi objeto de recurso. “Como a União foi quem incluiu o executado na CDA [Certidão de Dívida Ativa], e também foi quem deixou de requerer sua exclusão tão-logo declarada a inconstitucionalidade do fundamento legal dessa inclusão, está evidente que deu causa à necessidade de o executado vir aos autos defender-se”, diz na decisão.
Para o presidente da Comissão de Assuntos Tributários da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do Rio de Janeiro, Maurício Faro, “se os sistemas criados para desafogar o Judiciário como repercussão geral e recurso repetitivo não são observados pela Fazenda, “não têm razão de ser”. Segundo Faro, desde que o STF redigiu a Súmula Vinculante nº 21, que impede o depósito prévio, esses valores estão sendo mantidos sem previsão legal.
Há ainda outros casos em que a União continua recorrendo enquanto não há orientação expressa da PGFN para desistir de recursos, segundo o advogado Alessandro Mendes Cardoso, do Rolim, Viotti & Leite Campos. Como exemplo, ele cita o julgamento ocorrido em abril no STF, em repercussão geral, que considerou inconstitucional a contribuição previdenciária para as cooperativas. “A PGFN poderia ser mais ágil para evitar recursos desnecessários”, afirma.
A procuradoria também continua recorrendo em questões pacificadas no STJ, quando há o entendimento de que há chances de revertê-las no Supremo. Entre os casos, está a discussão sobre a incidência de contribuição previdenciária sobre verbas indenizatórias. O STJ já decidiu pela não incidência, em recurso repetitivo “Nesses casos, porém, há uma justificativa plausível”, diz Cardoso.
A advogada Valeria Zotelli, do Miguel Neto Advogados, afirma que tanto a Receita não admite que isso já foi pacificado no STJ, que publicou solução de consulta na quinta-feira afirmando que incide contribuição previdenciária sobre aviso prévio indenizado.
Fonte- Valor Econômico- 1/9/2014. http://alfonsin.com.br/fazenda-autua-e-recorre-em-questes-definidas-pelos-tribunais-superiores/