Os recursos extraordinário e especial, por determinação do artigo 995 do novo Código de Processo Civil, não são dotados de efeito suspensivo. Isso significa que, uma vez proferido julgamento colegiado pelos tribunais de segundo grau, o respectivo acórdão passa a ter eficácia imediata.
Em certas situações, nas quais desponta chance razoável de êxito do recurso especial, o recorrente poderá pleitear o deferimento de tutela provisória, para que seja atribuído efeito suspensivo à impugnação ainda pendente de juízo de admissibilidade, perante o tribunal de origem, ou de julgamento, no tribunal superior.
É certo que, sob o regime do velho diploma processual, surgiu o problema de saber a quem dirigir, por meio de medida cautelar, pedido de concessão de efeito suspensivo aos recursos excepcionais. Diante da polêmica suscitada, o Supremo Tribunal Federal aprovou, em outubro de 2003, as importantes súmulas 634 e 635, que deram solução à questão, ao estabelecerem, respectivamente, que “não compete ao Supremo Tribunal Federal conceder medida cautelar para dar efeito suspensivo a recurso extraordinário que ainda não foi objeto de juízo de admissibilidade na origem” e “cabe ao Presidente do Tribunal de origem decidir o pedido de medida cautelar em recurso extraordinário ainda pendente do seu juízo de admissibilidade”.
Esses regramentos sumulados, como é cediço, passaram também a ser observados no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, em relação ao recurso especial.
O parágrafo 5º do artigo 1.029 do Código de Processo Civil em vigor, com a redação conferida pela Lei 13.256/2016, acolhendo o enunciado das referidas súmulas, dispõe, de forma didática, que “o pedido de concessão de efeito suspensivo a recurso extraordinário ou a recurso especial poderá ser formulado por requerimento dirigido: I – ao tribunal superior respectivo, no período compreendido entre a publicação da decisão de admissão do recurso e sua distribuição, ficando o relator designado para seu exame prevento para julgá-lo; II – ao relator, se já distribuído o recurso; III – ao presidente ou ao vice-presidente do tribunal recorrido, no período compreendido entre a interposição do recurso e a publicação da decisão de admissão do recurso, assim como no caso de o recurso ter sido sobrestado, nos termos do art. 1.037”.
A experiência tem demonstrado que dificilmente o exame do pedido de tutela provisória visando à concessão de efeito suspensivo é feito pelo tribunal de origem quando aquele vem especificado na própria petição de interposição do recurso.
Imagino que duas razões são determinantes para essa frequente omissão, quais sejam o enorme número de recursos interpostos e, certamente, a banalização do pedido de efeito suspensivo, que vem formulado de modo generalizado. Contudo, dúvida não há de que o tribunal inferior deveria proceder à análise do pleito deduzido pelo recorrente tão logo interposto o recurso.
A técnica mais profícua é a de pleitear a concessão de efeito suspensivo em seguida à interposição do recurso. A rigor, o próprio Código de Processo Civil sugere que o pedido de atribuição de efeito suspensivo venha formulado por meio de petição avulsa, dirigida ao tribunal de origem, enquanto não ultimado o juízo de admissibilidade; e, após a admissão do trânsito do recurso especial, endereçada ao tribunal superior ou ao relator, se já distribuído.
Assim, verifica-se que a “medida cautelar”, sob a vigência do novel diploma processual, não deve ser mais utilizada para tal finalidade.
Todavia, não se pode esquecer de que o deferimento da tutela provisória no âmbito do recurso especial subordina-se, nos termos do artigo 300 do Código de Processo Civil, à cabal demonstração de razoável probabilidade de provimento da impugnação e, ainda, do perigo decorrente da intempestividade da prestação jurisdicional.
Cumpre observar que, a despeito do sistema regrado pelo novo estatuto processual, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, dada a excepcionalidade de determinada situação concreta, acabou concedendo efeito suspensivo a recurso especial, ainda pendente de apreciação no tribunal estadual.
Trata-se do Agravo Interno no Pedido de Reconsideração na Petição 11.435-SP, da relatoria do ministro João Otávio de Noronha, interposto contra decisão que deferiu a tutela de urgência pleiteada pela agravada, autorizando que os embargos à execução por ela oferecidos fossem processados com efeito suspensivo. O agravante arguiu preliminar de nulidade da decisão do ministro relator em razão da incompetência do Superior Tribunal de Justiça para conhecer do pedido, a teor do disposto no artigo 1.029, parágrafo 5º, do Código de Processo Civil.
Negando provimento ao agravo interno, asseverou o respectivo voto condutor que:
“A regra inserta no inciso III do parágrafo 5° do artigo 1.029 do novo Código de Processo Civil apenas incorporou os enunciados das Súmulas 634 e 635 do Supremo Tribunal Federal. Todavia, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, ainda na vigência do Código de Processo Civil anterior, quando já aplicava o entendimento sumular da Corte Constitucional, admitia, em casos excepcionais, sua competência para deferir tutela de urgência recursal ainda quando inexistente juízo de admissibilidade na origem ou até mesmo na extremada hipótese de não ter sido ainda interposto o recurso especial.
Considerando a competência constitucional atribuída ao Superior Tribunal de Justiça para o exame definitivo da admissibilidade e julgamento do apelo extremo, a inovação legislativa não obsta a que, em casos excepcionais, seja mitigada a regra agora inserta no inciso III do parágrafo 5º do artigo 1.029, possibilitando o exame e deferimento de tutela de urgência recursal pelo Superior Tribunal de Justiça.
Assim, tendo o Superior Tribunal de Justiça reconhecido o caráter excepcional do caso sub judice, conforme disposto na fundamentação da decisão agravada, avocando a competência para exame do pedido de tutela de urgência, a medida cautelar apresentada na origem fica prejudicada”.
Observa-se, destarte, que esse aludido aresto manteve a coerência com o entendimento pretoriano que já prevalecia sob a égide do regime anterior, à luz de circunstâncias excepcionais, nas quais o ato decisório recorrido reveste-se de notória divergência com o posicionamento consolidado no Superior Tribunal de Justiça, ou, ainda, quando chega a beirar a teratologia. Nesses casos, afastando-se da regra do inciso III do parágrafo 5º do referido artigo 1.029, admite-se o exame per saltum do pedido de concessão de efeito suspensivo a recurso especial, mesmo que ainda não efetivado o juízo de admissibilidade deste pelo tribunal de grau inferior.
José Rogério Cruz e Tucci é professor titular e diretor da Faculdade de Direito da USP e membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas.
Fonte- http://www.conjur.com.br/2017-mai-30/paradoxo-corte-pedido-concessao-efeito-suspensivo-recurso-especial