Seguramente um dos maiores retrocessos trazidos pelo Código de Processo Civil de 2015 foi a instauração de um sistema de recorribilidade das decisões interlocutórias – aquelas que são proferidas no curso do processo e não encerram a relação processual – taxativo e restrito apenas às decisões enumeradas no artigo 1015 do Código de Processo Civil.
Assim, somente seria possível impugnar mediante agravo de instrumento decisões interlocutórias que tratem dos seguintes temas: tutelas provisórias, mérito do processo, rejeição da alegação de convenção de arbitragem, incidente de desconsideração da personalidade jurídica, rejeição do pedido de gratuidade da justiça ou acolhimento do pedido de sua revogação, exibição ou posse de documento ou coisa. E ainda exclusão de litisconsorte, rejeição do pedido de limitação do litisconsórcio, admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros, concessão, modificação ou revogação do efeito suspensivo aos embargos à execução, redistribuição do ônus da prova e na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário.
As demais questões resolvidas no curso do processo não impugnáveis por agravo de instrumento não estão sujeitas à preclusão imediata e deverão ser suscitadas em preliminar de apelação, tudo como disposto no artigo 1009 do Código de Processo Civil.
A controvérsia surge quando estamos diante de uma decisão interlocutória não contemplada no rol taxativo do CPC
A intenção clara do legislador ordinário foi de diminuir o número de recursos interpostos e esvaziar o agravo de instrumento concentrando a supremacia da revisão de decisões de 1º grau quando do julgamento de recursos de apelação. Já no sistema do Código de Processo Civil de 1973, toda e qualquer decisão interlocutória era passível de agravo – mediante formação de instrumento ou pela forma retida (modalidade recursal suprimida).
A grande controvérsia surge quando estamos diante de uma decisão interlocutória não contemplada no rol taxativo do artigo 1015 do Código de Processo Civil e que demande de uma revisão urgente pelo próprio Poder Judiciário.
Imaginemos a decretação de revelia ou indeferimento de prova tida como indispensável ao julgamento do caso. Pela sistemática atual, a marcha do processo deveria seguir e caso a apelação fosse acolhida por esses fundamentos preliminares, todos os atos praticados seriam nulos.
As perguntas são: o Judiciário deve mesmo esperar para enfrentar essas questões mesmo correndo o risco de praticar atos posteriormente verificados como desnecessários? Essa sistemática recursal não irá reavivar a utilização do mandado de segurança como sucedâneo recursal?
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) respondeu aos questionamentos acima no dia 5 de dezembro de 2018 ao criar por 7 votos a 5 a teoria da taxatividade mitigada (Resp 1.696.396 e 1.704.520). Para o STJ, o rol do artigo 1015 do Código de Processo Civil é taxativo, mas não é tão taxativo assim a ponto de vedar a interposição de Agravo de Instrumento diante de uma situação de urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação.
O voto vencedor da ministra relatora, Nancy Andrighi, afirmou que “o rol do artigo 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação”.
Prosseguiu afirmando que “a tese que se propõe consiste em, a partir de um requisito objetivo, a urgência que decorre da inutilidade futura do julgamento do recurso diferido da apelação, possibilitar a recorribilidade imediata de decisões interlocutórias fora da lista do artigo 1.015 do CPC, sempre em caráter excepcional e desde que preenchido o requisito urgência, independentemente do uso da interpretação extensiva ou analógica dos incisos do artigo”.
O precedente do STJ nos permite algumas afirmações: (i) o mandado de segurança não retorna à moda como um sucedâneo recursal; (ii) o agravo de instrumento, fora as hipóteses legalmente previstas no artigo 1015 do Código de Processo Civil, pode ser conhecido mediante Juízo de admissibilidade discricionário da relatoria e (iii) o Poder Judiciário, ao seu modo, atua como uma espécie de legislador positivo sem mandato eletivo para tal e tenta corrigir um real equívoco do Código de Processo Civil.
Na linha do voto divergente da ministra Maria Thereza de Assis Moura, a taxatividade imposta pelo artigo 1015 do Código de Processo Civil foi uma opção legislativa e não caberia ao STJ ampliar esse leque de opções. A única solução viável nesse aspecto para viabilizar a utilização do agravo de instrumento em situações tidas como de urgência seria uma alteração legislativa com a inclusão de mais essa hipótese, mesmo que genérica, no rol do artigo 1015 do Código de Processo Civil.
Hugo Filardi é doutor e mestre em Direito pela PUC-SP, professor e sócio da área de contencioso cível do Siqueira Castro.
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Fonte: Valor Econômico- 24/1/2019-