Ministro João Otávio de Noronha: voto pela segunda sentença poderia impulsionar ações maliciosas
A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) retomou ontem a análise de uma questão inusitada: o que deve prevalecer quando há duas decisões finais (transitadas em julgado) para uma mesma disputa – no caso, por exemplo, de um mesmo pedido ser feito em diferentes esferas do Judiciário. Por ora, o julgamento está empatado em um a um.
É a primeira vez que os integrantes da Corte Especial julgam o assunto, segundo o ministro João Otávio de Noronha, que apresentou ontem seu voto-vista. Há divergência no próprio STJ e na doutrina. Era raro, acrescentou, haver conflitos desse tipo. Mas a situação mudou.
O processo em julgamento trata da validade da venda de um imóvel em um leilão realizado em 1994, após penhora por dívida. A execução foi ajuizada pelo então Banco do Estado de São Paulo (Banespa) contra a Construdesc Construtora Descalvado e dois proprietários. Após o leilão, foram propostos embargos por diferentes interessados.
Um dos recursos foi julgado em 2001 pela 5ª Câmara do então Primeiro Tribunal de Alçada Civil – posteriormente extinto. No julgamento, os desembargadores anularam a venda por considerar que o bem foi arrematado por preço vil e que a dívida foi paga pelos proprietários da construtora. Mas a 9ª Câmara do mesmo tribunal decidiu manter o leilão ao analisar um outro embargo.
Ao julgar o conflito entre as duas decisões, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) decidiu manter o primeiro entendimento. Em seu voto, Noronha considerou acertado o posicionamento dos desembargadores, divergindo do relator, ministro Og Fernandes. Ele havia votado em sentido contrário, por considerar essa a tendência mais expressiva no STJ, visando a segurança jurídica.
Para Noronha, porém, deve-se respeitar a coisa julgada. Na doutrina, acrescentou, um dos argumentos para a primeira decisão prevalecer é a falta de interesse de agir na segunda – e, por isso, ela nem chegaria a existir.
A ausência de qualquer condição necessária para a apresentação de uma ação, mesmo dos pressupostos processuais, segundo o ministro, impediria o exame do mérito. Em seu voto, Noronha ainda afirmou que decidir pela segunda sentença poderia impulsionar ações maliciosas por partes vencidas, propostas apenas para superar o entendimento da primeira sentença.
“Entendimento contrário abriria as portas do Judiciário para outras ações propostas contra a ação que lhe foi desfavorável”, disse Noronha. Esse mecanismo, segundo o ministro, seria mais eficaz do que a ação rescisória (usada para questionar decisão transitada em julgado), que tem requisitos específicos.
Fonte: Valor Econômico- 22/11/2018-