Após anos de condenações, os bancos passaram a vencer disputas sobre compras em lojas físicas ou saques contestados por clientes. O Superior Tribunal de Justiça (STJ), por meio das turmas de direito privado (3ª e 4ª), têm negado indenizações após comprovação de que as operações foram realizadas por meio de cartões de débito e crédito com chip e uso de senha pessoal, o que caracterizaria negligência por parte dos consumidores.
Até pouco tempo, a jurisprudência predominante era de que fraudes realizadas com cartões de débito ou crédito integravam o risco da atividade bancária e que, com base no Código de Defesa do Consumidor (CDC), as instituições financeiras teriam responsabilidade objetiva em indenizar, segundo o advogado Rodrigo Infantozzi, sócio do BGR Advogados.
O STJ, acrescenta o advogado, chegou até a editar uma súmula sobre o assunto, de nº 479. “Porém, diante do aumento significativo de fraudes e condenações, as instituições bancárias passaram a buscar novas maneiras de se defender”, afirma o advogado. Apenas na Fundação Procon-SP foram realizados 60.476 atendimentos nos últimos cinco anos que trataram de lançamentos não reconhecidos na fatura e cobranças indevidas.
Desde 2014, todos os bancos brasileiros oferecem cartões com chip no modelo “full grade” de segurança – no qual a máquina de cartões consulta a central da instituição para validar a operação. “De lá para cá, houve um processo de convencimento dos juízes e realizações de perícias que comprovaram a inviolabilidade desses cartões, que são de segurança máxima”, afirma uma fonte que atua no departamento jurídico de um grande banco que preferiu não se identificar.
Em um caso analisado recentemente pela 3ª Turma, os ministros negaram pedido de um cliente do Itaú Unibanco, com base em perícia. Não foram encontrados indícios de que o cartão foi alvo de fraude ou ação criminosa. Para eles, como as transações contestadas (saques, compras e contratação de empréstimo) foram feitas com o cartão original e senha pessoal, ficou caracterizada a culpa do consumidor. Segundo a decisão “o cartão magnético e a respectiva senha são de uso exclusivo do correntista, que deve tomar as devidas cautelas para impedir que terceiros tenham acesso a eles”.
No acórdão, o relator, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, destaca que o STJ já definiu, em recurso repetitivo, que as instituições bancárias respondem objetivamente pelos danos causados por vício na prestação de serviços, como previsto no artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), “ressalvada a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro, como determina o parágrafo 3º, inciso II do mesmo artigo”.
Ele ainda levou em consideração no julgamento do caso (REsp 1.633.785) que o perito concluiu que se as operações bancárias não foram realizadas pelo autor, foram feitas por alguém próximo a ele e de sua confiança. Nessa situação, caberia ao correntista, segundo a decisão, “comprovar que a instituição financeira agiu com negligência, imprudência ou imperícia ao efetivar a entrega de numerário a terceiros”. O caso transitou em julgado (não cabe mais recurso).
A 4ª Turma do STJ também foi unânime ao decidir de forma favorável ao Banco Mercantil em situação semelhante (AResp 1.063.511). No processo, ficou comprovado que o cartão e a senha foram entregues na residência da consumidora que, segundo narra no processo, foi ludibriada por pessoas que se passaram por funcionários da Companhia Paulista de Força e Luz (CPFL) e furtaram, sem que ela percebesse, alguns pertences seus, entre eles o cartão e a senha.
“Fato decorreu por culpa exclusiva da apelada, que, diretamente, contribuiu para que terceiros contratassem empréstimo em seu nome e sacassem o respectivo valor de sua conta corrente”, afirma na decisão o relator, ministro Marco Buzzi. Também não cabe mais recurso.
No Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) também há decisões favoráveis aos bancos. Em um dos casos, envolvendo o Itaú Unibanco, a cliente alegou ter sido surpreendida com a retirada de R$ 2,2 mil da sua conta bancária, por meio de saques e compras realizadas por volta das 5 horas da manhã do dia 8 de dezembro de 2013.
Ela alegou no processo (nº 1058449-37.2014.8.26.0100) que perdeu seu cartão e carteira de habilitação duas horas antes, após abastecer o seu veículo em um posto de gasolina. E que só deu conta do fato após voltar para casa.
O relator do caso na 21ª Câmara de Direito Privado, desembargador Maia da Rocha, entendeu que seria ” inviável concluir que, encontrando o cartão, o terceiro, valendo-se de técnicas espúrias teria descoberto a senha do cartão da autora, tendo-se em vista o lapso temporal dos acontecimentos”. Ainda destaca na decisão que não houve provas de que a consumidora entrou em contato com o banco logo que percebeu que tinha perdido o cartão. E que só lavrou boletim de ocorrência três dias após o ocorrido.
Para Renata Reis, coordenadora da Fundação Procon-SP, apesar das decisões, a questão não está pacificada. “As instituições financeiras só ganham processos quando demonstram, com muita propriedade, que houve culpa exclusiva do consumidor”, diz. De acordo com ela, há casos em que os bancos não conseguem evidenciar como houve a quebra de segurança e acesso às informações.
Apesar de os bancos atestarem a segurança dos cartões com chip, Renata ressalta que os fraudadores também estão em constante atualização no modo de atuação. “Os bancos podem gastar milhões de reais ou dólares, mas não podem, de modo algum, garantir que o fraudador não consiga quebrar essa segurança”, afirma.
Segundo o advogado especializado em direito bancário, João Antônio Motta, do JACMLaw, a primeira vez que o STJ tratou dos cuidados que o consumidor deve adotar foi em decisão publicada em 2004 (REsp 235385). “Assim, na verdade não há uma modificação de posicionamento, mas uma consolidação no sentido de que o cliente deve adotar cautelas mínimas e ordinárias de segurança.”
Em nota, o Itaú Unibanco informa que “a tecnologia utilizada garante a inviolabilidade do cartão com chip, e a segurança das transações”. O texto ainda destaca que, “até este momento, todos os estudos e laudos técnicos elaborados afirmam a impossibilidade da clonagem do cartão com chip”. Para o banco, é importante, no entanto, que o cliente esteja atento e jamais entregue seu cartão e senha a terceiros, nem deixe-a anotada próxima ao cartão. O Banco Mercantil, procurado, não retornou até o fechamento da edição.
Fonte: Valor Econômico- 1/10/2018-
STJ isenta bancos por compras e saques contestados por clientes