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Teto para desconto de empréstimo cria instabilidade jurídica

A 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que não deve haver um teto para desconto em conta-corrente de empréstimo bancário. O entendimento é contrário ao anterior, da 3ª Turma, que aplicava o teto de 30% a fim de limitar o valor a ser deduzido da remuneração líquida do devedor, conforme a Lei nº 10.820, de 2003, que trata do crédito consignado e que, por analogia, era aplicada aos demais empréstimos.

Para a advogada Carla Bueno dos Santos, especialista em Direito Bancário da Barbero Advogados, a divergência das turmas do STJ desestabiliza o que antes era pacificado. “Cria-se uma instabilidade jurídica nas decisões a respeito deste tema, e fica impossível delimitar qual será o entendimento nos casos que estão em trâmite”, avalia Carla.

Na decisão da 4ª Turma, o entendimento que prevaleceu foi o de que é possível descontar prestações de empréstimo contratado pelo cliente na conta-corrente em que recebe seus proventos, não sendo razoável e isonômico aplicar a limitação legal aos descontos, e valerá o contrato específico de mútuo livremente pactuado com a instituição financeira, sem qualquer limitação. Em outubro de 2016, em outra ação, o entendimento da 3ª Turma, por unanimidade, foi por aplicar o teto de 30%.

O caso mais recente, julgado pela 4ª Turma, teve origem em uma ação proposta por cliente contra o Banco do Brasil, que tinha uma dívida em torno de R$ 114 mil decorrente de juros de cheque especial. Ele firmou contrato de renegociação da dívida, a ser pago em 85 parcelas de pouco mais de R$ 2,5 mil, mas estava descontente com os descontos, em torno de 50% dos seus proventos, feitos para o pagamento da dívida.

Sobre a divergência criada entre as turmas, Carla lembra que está em tramitação na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 3.515/2015, dispondo acerca do superendividamento do consumidor e prevendo medidas judiciais para garantir o mínimo existencial aos endividados.

JC Contabilidade – Como funciona o desconto do empréstimo bancário em conta?

Carla Bueno dos Santos – Trata-se de informação operacional bancária, é um procedimento interno. Em nossa atuação, acompanhamos os casos de inadimplência para analisar as questões jurídicas e fornecer as melhores soluções para nossos clientes. A Lei nº 10.820/2003 regulamenta o desconto.

Contabilidade – O que deve mudar com a decisão da 4ª turma do STJ?

Carla – Com a decisão, o valor a ser descontado não terá mais o teto de 30%. A divergência das turmas do STJ desestabiliza o que antes era pacificado. Cria-se uma instabilidade jurídica nas decisões a respeito deste tema, e fica impossível delimitar qual será o entendimento nos casos que estão em trâmite.

Contabilidade – Qual o impacto possível dessa decisão?

Carla – Ainda não há como prever qual será o impacto, mas imagina-se que, se não houver uma pacificação de entendimento entre as turmas, e, uma vez prevalecendo a decisão da 4ª Turma, não haverá qualquer decisão capaz de limitar o pagamento de empréstimo comum ao teto de 30% da remuneração líquida do devedor. Prevalecerá o contrato de empréstimo firmado junto à instituição financeira. Resguardará o direito do credor em receber o que é devido, conforme disposição contratual, independentemente se isso arriscará a subsistência do devedor ou não. O princípio da dignidade humana não terá prevalência sobre a relação contratual.

Contabilidade – Na sua opinião, é uma decisão que defende os interesses das instituições bancárias mais do que o dos cidadãos?

Carla – Entendo que o interesse defendido nesta decisão refere-se totalmente às instituições bancárias. Uma vez considerada a inaplicabilidade do teto, o que será descontado é o valor contratado, ainda que fira o princípio da dignidade da pessoa humana.
Contabilidade – Qual a justificativa dada para isso?

Carla – Não há como apresentar uma justificativa para a decisão. É entendimento, posicionamento. O que fez com que os ministros decidissem deste modo é algo inimaginável. Entendo ser algo muito grave para milhares, talvez milhões de pessoas que estejam nessa situação de endividamento.

Contabilidade – As mudanças poderão ser aplicadas aos contratos já firmados anteriormente?

Carla – Não se trata de mudança de legislação, mas de entendimentos. Antes, havia o entendimento de que a Lei nº 10.820/2003 poderia ser aplicada por analogia aos casos que envolviam descontos em folha para pagamentos de outros contratos, que não os créditos consignados com desconto em folha. Atualmente, não há mais.
Contabilidade – A instabilidade gerada pela decisão do STJ deve aumentar o endividamento dos brasileiros? Eles podem vir a temer negociar com as instituições?

Carla – Acredito que o não estabelecimento do teto nos empréstimos bancários vai agravar intensamente o endividamento. Há uma razão clara para o limite de 30% para o empréstimo consignado. Tudo foi pensado para que o devedor, mesmo honrando o pagamento, com o desconto direto em conta, em folha de pagamento, possa também utilizar os outros 70% para suprir necessidades essenciais, como as despesas com moradia, alimentação, transporte. Se não há esse limite de 30%, conforme a presente decisão da 4ª Turma do STJ, não estão assegurados os direitos básicos do ser humano – direitos, aliás, garantidos pela Constituição Federal de 1988.

Contabilidade – Inclusive, há um Projeto de Lei (PL) que trata do superendividamento em tramitação.

Carla – Está em tramitação na Câmara dos Deputados o PL 3.515/2015, dispondo acerca do superendividamento do consumidor e prevendo medidas judiciais para garantir o mínimo existencial ao consumidor endividado. Enquanto não há legislação específica acerca do tema, as soluções para o superendividamento dos consumidores têm sido buscadas na via jurisprudencial. O consumidor pessoa física, cliente bancário, uma vez inadimplente, sempre terá caminhos abertos para negociação bancária. Os bancos hoje têm, inclusive, aberto alguns canais diretos de negociação de dívidas via telefone, internet etc. O que importa na hora de renegociar é o cliente aceitar propostas que efetivamente tenha condições de pagar, de modo que a dívida seja cumprida. Do contrário, se o cliente opta pela renegociação na ânsia de ter o nome livre dos órgãos de proteção ao crédito ou em se ver livre das ligações de cobrança, mas volta a inadimplir, o cenário piora. A dívida vai ficando cada vez mais onerosa, pois, a cada repactuação, é aplicada nova taxa de juros.

Contabilidade – Como a população pode se proteger?

Carla – Optar cada vez mais por outras modalidades de pagamento que não o desconto em folha e, caso seja necessário contratar dívidas mediante esta modalidade de pagamento, ter consciência financeira para se prevenir dos graves riscos que isso representa.

4/10/2017

Fonte- http://jcrs.uol.com.br/_conteudo/2017/09/cadernos/jc_contabilidade/587849-teto-para-desconto-de-emprestimo-cria-instabilidade-juridica.html

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