O impacto e os desafios do sistema de precedentes no Judiciário brasileiro e na sociedade foram os temas centrais discutidos durante o evento Argumentação sobre Precedentes no Estado Democrático de Direito: um diálogo com Manuel Atienza. O professor espanhol da Universidade de Alicante, na Espanha, foi o principal expositor do debate, realizado nesta quarta-feira (13) no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Além do especialista espanhol, participaram do encontro a diretora-geral da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), ministra Maria Thereza de Assis Moura, e o coordenador científico do debate, ministro Paulo de Tarso Sanseverino. Também formaram a mesa as professoras Claudia Rosane Roesler, da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília, e Margarida Lacombe Camargo, da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Na abertura do debate, a ministra Maria Thereza de Assis Moura destacou que o direito brasileiro vem caminhando numa constante evolução de valorização do precedente judicial, e tem como realização concreta as inovações legislativas trazidas pelo novo Código de Processo Civil.
“Todavia, a ampliação desse modelo exige atuação diferenciada dos membros do Poder Judiciário e dos órgãos essenciais à Justiça, com ênfase na importância da formação de precedentes judiciais e nos reflexos decorrentes do sistema nos tribunais e na sociedade”, afirmou a diretora da Enfam.
O ministro Paulo de Tarso Sanseverino ressaltou que a adoção de um sistema de precedentes no Brasil resultou na elevação da responsabilidade das cortes superiores e dos tribunais de segundo grau na formação e no julgamento de precedentes vinculantes.
“Nós estávamos acostumados com os precedentes persuasivos e, com as recentes mudanças na legislação, passamos a tratar de precedentes altamente vinculativos dentro do sistema judicial. É uma mudança de modelo que vai exigir muito de todos os operadores do direito”, apontou o ministro ao destacar a importância do debate sobre o tema.
Crise política e Judiciário
Durante mesa de debate moderada pela professora Claudia Roesler, o professor Manuel Atienza traçou um panorama da estruturação do sistema de precedentes nos países do mundo latino, a exemplo de Espanha, México, Colômbia e Peru.
Para o professor, o aumento da importância dos precedentes no Brasil tem seguido uma tendência percebida em vários países que adotam a tradição jurídica da Civil Law, e possui relação, além de razões jurídicas, com motivos políticos e sociais.
“Essa valorização guarda relação, entre outros motivos, com a crise política e do Legislativo nesses países, o que leva a sociedade a enxergar o Judiciário como a única instituição capaz de combater esses problemas”, apontou o professor espanhol.
No contexto brasileiro, Atienza apresentou reflexões sobre diversos pontos do Código de Processo Civil de 2015, como no caso do artigo 489, que estabelece casos em que não se considera fundamentada a decisão judicial. Um dos itens questionados pelo professor diz respeito ao parágrafo 1º do mesmo artigo, que proíbe o emprego de conceitos jurídicos indeterminados, sem a necessária correlação com o caso em julgamento, na fundamentação da decisão. Para o professor, princípios como o da boa-fé jurídica são de difícil determinação, porém são considerados legalmente válidos para a fundamentação de julgamentos.
Verticalidade
De acordo com a professora Margarida Camargo, a priorização da uniformização de jurisprudência e a busca pela elevação da agilidade dos tribunais resultou na criação, no Brasil, de um sistema de precedentes pautado por uma lógica de verticalidade, o que diminuiu a atenção atribuída ao caráter horizontal dos precedentes fixados pelas cortes.
A professora também exemplificou o processo de construção de precedentes com a apresentação de julgamentos do Supremo Tribunal Federal (STF) e do STJ nos quais houve a definição de teses jurídicas. Nos dois julgados do STF citados como exemplo – a possibilidade de pessoas com tatuagens ingressarem em cargos públicos e a legalidade dos eventos de vaquejada no Brasil –, Margarida Camargo ressaltou as dificuldades de interpretação e abrangência das teses fixadas.
O terceiro caso apresentado pela professora tem relação com o direito ao esquecimento em casos graves com ampla repercussão – o tema foi julgado pelo STJ em 2013, mas atualmente voltou a ser discutido pelo STF.
Fonte- STJ- 13/9/2017.