No mundo empresarial e jurídico, nenhum posicionamento é inflexível. As mudanças de interpretação em determinados assuntos nada mais são do que fruto da evolução comportamental. Como afirma o filósofo alemão Göethe: “Só não muda de opinião quem não tem opinião”. E, neste ano de 2017, houve muitas mudanças em relação à Lei 11.101/05 – que trata da recuperação judicial de empresas.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu um passo importante ao analisar um recurso especial de Mato Grosso. Os ministros entenderam que um plano de recuperação judicial, embora formulado por uma empresa em dificuldade financeira, é o maior elo de negociações que pode ocorrer entre todos os envolvidos. Dessa forma, uma vez aprovado, significa que é lei entre as partes e gera obrigações – mesmo em caso de recusa de alguns.
Houve uma inovação. O STJ permitiu que o patrimônio dos sócios e de qualquer outra pessoa que apostou na empresa devedora mediante seu aval, fiança ou qualquer outra espécie de garantia, possa ter a mesma proteção da recuperanda.
O STJ inaugurou uma nova fase da Lei 11.101, em que a proteção patrimonial deverá existir não apenas para a recuperanda, mas também para o sócio
A repercussão inovadora do efeito jurídico foi tamanha que a Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) entrou no processo como terceira interessada, representando todas as instituições financeiras filiadas. O propósito é a modificação do posicionamento dos ministros. Os bancos, pelo novo posicionamento do Poder Judiciário, não conseguirão executar os bens dos sócios e demais coobrigados, justamente porque as garantias perderão a sua eficácia.
Se por um lado este fato causou preocupação nas instituições financeiras, por outro há uma maçante comemoração das empresas. Afinal, terão a oportunidade de conseguir melhores condições de pagamento – em especial prazos, descontos e outros meios de ajuste de caixa, o que certamente cria uma condição muito mais favorável de negociação.
E mais: havendo o cumprimento do plano aprovado, cuja forma de pagamento sempre será melhor do que os contratos originais, verão todas as execuções ajuizadas encerradas – seja contra a empresa em recuperação, seja contra os sócios ou outro empreendedor que deu patrimônio pessoal para garantir da dívida.
Em 12 anos da existência da Lei de Recuperação Judicial, essa foi a maior inovação ocorrida. Houve um alívio para advogados que defendem empresas. Isso porque a mudança permite efetiva recuperação econômico-financeira da empresa.
Na prática, a repercussão do julgamento do STJ já começa a ser difundida, gerando os seus primeiros frutos. Como exemplo, é possível citar um caso da Justiça de São Paulo. O juiz Felipe Albertini Nani Viaro, titular da 26ª Vara Cível da Comarca de São Paulo, analisou embargos à execução de dois sócios de empresa em recuperação judicial.
O pedido foi coincidentemente formulado no Estado de Mato Grosso, onde, aliás, nasceu a tese. O juiz entendeu, no último dia 29 de maio de 2017, que o plano de recuperação judicial homologado pela Justiça mato-grossense obriga a extinção do processo, justamente por prever que as garantias prestadas pelos sócios estava suprimida por uma cláusula constante daquele mesmo plano. Na ocasião, foi mencionado justamente o REsp 1532943/MT (2015/0116344-4).
Com base naquela situação, a Justiça entendeu que não há dúvidas de que a existência da premissa do plano que prevê a supressão da garantia prestada é relevante o suficiente para a própria extinção da ação de execução promovida contra o sócio. Dessa forma, é possível concluir que a decisão do STJ inaugurou uma nova fase da Lei 11.101/05, em que a proteção patrimonial deverá existir não apenas em relação à empresa recuperanda, mas também para o sócio e qualquer outra pessoa que apostou o seu patrimônio pessoal na atividade produtiva. Quebra-se, com isso, o maior paradigma que recaía sobre o instituto da recuperação judicial, o que certamente colocará os empresários numa melhor posição negocial.
Allison Giuliano Franco e Sousa é advogado especialista em Recuperação Judicial, associado da ERS Advocacia.
Fonte: Valor Econômico- 14/7/2017-