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Desafios para arbitragem e empresas em crise

Nos últimos anos, os profissionais do direito têm enfrentado novos desafios em função da intersecção entre dois mercados que crescem vertiginosamente no Brasil: o mercado da arbitragem e o mercado das empresas em recuperação judicial. Cada vez mais os profissionais que atuam com arbitragem lidam com os dilemas das empresas em crise e vice-versa.

O encontro desses dois campos gera questões intrigantes, cuja solução interessa a todos: advogados, árbitros, peritos, juízes, administradores judiciais e, sobretudo, aos empresários.

Dentre estas, muito se discute sobre os impactos que a insolvência ou mesmo as dificuldades financeiras de uma empresa podem ter sobre uma arbitragem em curso ou a ser instaurada e, também, sobre os poderes dos árbitros para preservar o resultado futuro do procedimento contra uma empresa em crise, ainda antes de qualquer recuperação judicial, temas que serão discutidos neste artigo. Em ambos os casos, não se vislumbram obstáculos insuperáveis. A arbitragem pode ser um método eficiente de solução de conflitos também neste campo.

Durante muitos anos, o debate relativo ao primeiro ponto de contato concentrou-se no tema da arbitrabilidade dos direitos de uma empresa em recuperação judicial. Pela lei brasileira, somente direitos patrimoniais disponíveis podem ser objeto de uma arbitragem. Alguns profissionais questionavam se a recuperação judicial poderia afetar a disponibilidade dos direitos da empresa, o que impediria a instauração de arbitragens por ou contra ela (e a extinção dos procedimentos eventualmente em curso).

O Poder Judiciário brasileiro já afirmou, em diferentes instâncias e em mais de uma oportunidade, que a recuperação judicial não impede a instauração ou o prosseguimento de uma arbitragem e, portanto, não há uma incompatibilidade entre a lei de arbitragem e a lei falimentar. Recentemente, este entendimento tornou-se enunciado na I Jornada “Prevenção e Solução Extrajudicial de Litígios”, organizada pelo Conselho da Justiça Federal (Enunciado 6).

Agora, surgem novos desafios. Mesmo antes de qualquer recuperação judicial, a empresa em crise pode ter dificuldades para arcar com os custos envolvidos no procedimento arbitral (o que tem sido denominado de “impecuniosidade”).

A falta de recursos financeiros para pagar os honorários e as despesas dos árbitros pode levar à suspensão ou mesmo à extinção do procedimento arbitral, conforme as regras escolhidas pelas partes (cada órgão arbitral utiliza o seu próprio regulamento). Todavia, a mera dificuldade financeira de uma empresa não afeta o cumprimento da convenção de arbitragem, de tal forma que essa empresa continua vinculada à arbitragem e não pode recorrer ao Judiciário.

Pela lei brasileira, qualquer pedido de invalidação da convenção de arbitragem deve ser feito perante o árbitro, que possui autoridade para analisar a regularidade dessa convenção à luz do Código Civil e conferir a tutela adequada às partes. Em qualquer hipótese, o árbitro deve sempre assegurar às partes o direito de defesa (contraditório), sob pena de nulidade da sentença arbitral.

Ainda no momento anterior à recuperação judicial, quais são os poderes dos árbitros para preservar o resultado futuro de uma arbitragem contra uma empresa em crise? A Lei de Arbitragem confere aos árbitros amplos poderes para a condução do procedimento arbitral, bem como para a concessão de tutelas de urgência. Assim, a título ilustrativo, havendo provas suficientes de que uma das partes da arbitragem – contra a qual existe um pedido condenatório, por exemplo – esteja se desfazendo de seus ativos de forma deliberada e que a contraparte parece, em princípio, ter razão em suas alegações, o árbitro pode, a pedido desta última, conceder tutela para preservar esses ativos de modo a assegurar a futura execução da sentença arbitral.

Mesmo que não haja dissipação de patrimônio, mas potencial insolvência no futuro que também coloque em risco o cumprimento da sentença, o árbitro pode adotar outras medidas para preservar o resultado útil da arbitragem, dentre as quais a apresentação de garantias pela empresa para fazer frente a eventual condenação que venha a sofrer na arbitragem.

O árbitro deve sopesar os diversos interesses em jogo, para que também a empresa não seja onerada demasiadamente, em detrimento de outros eventuais credores. Não existem respostas simples. O ponto aqui é que também o árbitro possui as ferramentas para tutelar direitos tanto da empresa em dificuldades, quanto daqueles que litigam contra elas.

O tema da arbitragem envolvendo empresas em crise certamente continuará nos trazendo questões riquíssimas, que não admitem respostas absolutas, assim como também não aceitam a imposição de dogmas inquestionáveis. A Lei de Arbitragem, o Código Civil e a Lei Falimentar ainda têm muito a dialogar.

Rafael Francisco Alves e Lígia Espolaor Veronese são, respectivamente, sócio e advogada sênior do escritório L.O. Baptista-SVMFA.

Fonte- Valor Econômico- 3/11/2016- http://www.seteco.com.br/desafios-para-arbitragem-e-empresas-em-crise-valor-economico/

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