Apesar de o novo Código de Processo Civil (CPC) ter melhorado o ambiente de trabalho para os juízes brasileiros, ainda há dúvidas sobre quais serão os verdadeiros ganhos de velocidade para a tomada de decisões do Judiciário.
O diagnóstico é do juiz titular da 10ª Vara Criminal da Justiça Federal de Brasília, Vallisney de Souza Oliveira. Ele é professor de processo civil na Universidade de Brasília (UnB) e produziu estudo sobre os impactos do novo CPC para os magistrados. “De modo geral, o código coopera para a razoável duração do processo, mas não ataca profundamente a questão da celeridade”, diz ele.
Mesmo que a demora processual seja a característica que mais gere angústia para os usuários da Justiça, ele entende que a opção do Legislativo foi atacar um conjunto de princípios. “O objetivo foi balancear segurança jurídica e celeridade. Ora busca-se um, ora o outro”, afirma o magistrado. Isso ficaria nítido quando são valorizados o direito ao contraditório ou o que os especialistas chamam de devido processo legal.
Ele conta que mesmo passados mais de cinco meses desde a data em que entrou em vigor o novo código – 18 de março – ainda existem dúvidas sobre quais dispositivos de fato vão ser aplicados.
Um dos mais aguardados pela comunidade jurídica, e que gera impactos justamente sobre a questão da demora processual, é o dos Incidentes de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR).
Oliveira explica que a ferramenta processual tem como objetivo lidar com ações de temas repetitivos, no sentido de tentar enxugar a quantidade de processos. “Em resumo, localiza-se um caso que servirá como paradigma e então o tribunal dá uma decisão só que vale para todos”, diz ele.
A ferramenta criada pelo novo CPC seria parecida com as que já dispunham o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STF). Mas agora, destaca ele, esse tipo artifício fica disponível para o segundo grau.
Oliveira aponta que os IRDR seriam a principal resposta do novo código processual para combater a crescente quantidade de processos quem tem sido ajuizada ano após ano.
Cenário
De acordo com o último relatório Justiça em Números, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), durante o ano de 2014 tramitaram no Judiciário brasileiro 99,7 milhões de processos. Mas como o número de casos novos tem sido sempre superior ao de casos encerrados, a expectativa é que essa quantidade siga crescendo.
No mesmo estudo, o CNJ aponta que cada um dos 17 mil juízes brasileiros recebe, na média, 1,5 mil casos novos por ano. Nesse cenário, Oliveira destaca que o novo código ajuda ao dar melhor tratamento aos casos repetitivos, mas faz ressalvas. “Agora, uma coisa é o que está na lei. Outra coisa é saber no mundo prático como tudo isso vai acontecer”, reforça o juiz federal.
Nesse sentido, inclusive, haveria grande expectativa sobre o primeiro julgamento de IRDR, que até hoje não ocorreu. “Falta só acontecer para vermos como de fato vai ser o uso desse instrumento.”
Escolhas
O professor de processo civil da UnB também conta que durante a concepção do novo código, houve uma opção do Legislativo por não modificar muito a sistemática de ações coletivas e nem os procedimentos dos juizados especiais cíveis (JEC), popularmente conhecidos como tribunais de pequenas causas. Mudanças nesses dois pontos também poderiam gerar impacto na quantidade de processos.
Oliveira também aponta que o novo CPC, assim com o código anterior, também trabalha com um tipo de rito comum ordinário. Ele afirma que não houve movimento no sentido de criar mais tipos de ritos, especiais e mais céleres, para resolver a questão da agilidade processual brasileira. “Acho que aí existe uma certa falha, no sentido de ter um procedimento único comum. O código poderia ser mais engenhoso.”
Em compensação, o juiz federal destaca que surgiram melhorias e novos elementos. A primeira novidade citada por ele diz respeito aos procedimentos de mediação e conciliação, uma aposta do novo código para que os operadores do direito atenuem a judicialização e comecem a adotar uma cultura mais pacífica para a resolução dos conflitos.
“Não é um código revolucionário. Não houve um impacto grande. É um código transformador em alguns pontos. Existem muitas coisas que ainda precisam ser implementadas pelos tribunais, como melhores estruturas de conciliação e o julgamento dos processos em ordem, a começar pelos mais antigos”, destaca ele.
Oliveira, que foi juiz civil por muitos anos, hoje está à frente de uma vara criminal e é, inclusive, o responsável pelo julgamento da Operação Zelotes, que denunciou a compra de votos no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).
Apesar de não atuar, atualmente, como julgador na área civil, ele produziu estudo avaliando os impactos da nova legislação. O trabalho foi publicado sob o título de O juiz e o Novo Código de Processo Civil. “Minha rotina hoje é o processo criminal, mas o estudo teve como objetivo verificar pontos importantes que impactam no trabalho do juiz”, também afirma Oliveira.
Mérito
Outra característica dos novos trâmites processuais, na visão do especialista, é que surge uma busca pelo julgamento do mérito das questões e deixa-se de lado um pouco das formalidades. “Há uma preocupação grande em fazer que o juiz entre no mérito, de modo a julgar o conflito. É uma maneira de aproveitar ao máximo os juízes e os tribunais, para que as decisões sejam as mais completas possíveis”, comenta.
Mais uma novidade que deve ser percebida pelos agentes do direito é que o código processual novo é mais democrático. O professor explica que há maior possibilidade de diálogo das partes com o juiz, mesmo em questões de ofício. “É preciso lembrar ainda que o CPC de 1973 foi reformado inúmeras vezes. Esse código também será. Algumas novidades não pegarão. Outras funcionarão. O código é um instrumento dinâmico. Minha crítica é que faltou uma preocupação maior com a decisão célere definitiva. Mas isso pode ser encaixado no futuro.”
Fonte- DCI-SP- 31/8/2016- http://portalcontabilsc.com.br/noticias/novo-cpc-ataca-duracao-do-processo-mas-nao-resolve-celeridade-da-justica/