O Superior Tribunal de Justiça (STJ) irá definir uma importante questão: se um acordo de acionistas pode se sobrepor a um plano de recuperação judicial. A resposta será dada no caso da Daslu e, segundo advogados, servirá de precedente para casos em que acionistas e credores descontentes tentam atrapalhar o andamento do procedimento ou mesmo para o que chamam de “interferência” de órgãos e agências reguladoras.
Os ministros vão analisar recurso de minoritários da rede de lojas de luxo contra decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) que manteve a venda da marca – o maior ativo -, aprovada em assembleia de credores.
A marca foi leiloada. Minoritários da empresa, porém, que não teriam dado aval ao plano, foram à Justiça mostrar um acordo de acionistas pelo qual possuíam direito de veto à comercialização do ativo.
O advogado Flavio Galdino, sócio do escritório Galdino, Coelho, Mendes Advogados, avalia não ser eficiente órgãos regulatórios questionarem ou interferirem nas decisões tomadas durante o procedimento de recuperação, legitimado pelo Judiciário. “É como se o Executivo revisse uma decisão judicial, o que é impróprio no nosso sistema jurídico”, compara.
Para ele, eventual tutela de um regulador, a exemplo da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) no caso dos acionistas minoritários, deveria ocorrer antes da aprovação de um plano para que possa ser contemplada na negociação global com os credores – que possuem preferência legal no recebimento de créditos em relação aos acionistas.
Segundo o advogado, as decisões sobre a vida da empresa, uma vez em recuperação, cabem ao juiz do processo e não aos órgãos regulatórios. “Alguns reguladores têm criado insegurança inconcebível. É difícil construir um mercado de investidores pós-recuperação com insegurança jurídica”, diz.
Recentemente, após ser questionada por um acionista minoritário, a CVM avaliou que a E.ON estaria impedida de votar em assembleia que deliberaria “sobre a capitalização dos bens e créditos dos credores que assumiram o compromisso de posteriormente aprovar a capitalização de bens e créditos” dela própria.
O superintendente-geral da CVM, Alexandre Pinheiro dos Santos, afirma que o artigo 50 da Lei nº 11.101, de 2005, fala sobre os meios de recuperação judicial, “observada a legislação pertinente a cada caso”. Segundo ele, portanto, a lei não veio com o princípio de proteger um direito em relação a qualquer outro.
Pinheiro afirma que a autarquia não fala de assuntos a priori, nem impede o andamento de operações. Mas está aberta a consultas, com a devida antecedência, sobre as operações para avaliá-las do modo mais rápido possível. “Isso também acontece quando as empresas não estão em recuperação judicial. Não vejo razão para que uma companhia nessa condição não siga a Lei das Sociedades por Ações, se for uma companhia aberta”, diz.
O advogado Cássio Cavalli, sócio do Veirano Advogados, diz que se uma decisão final sobre a Daslu confirmar que um acordo de acionistas não atinge a recuperação, também se poderá, em tese, afastar o pagamento de prêmio aos acionistas minoritários no caso de venda de controle (tag along), as ofertas públicas por aumento de participação ou ainda o direito de retirada, no caso de empresas em recuperação judicial com patrimônio positivo.
Na visão de Cavalli, esse entendimento para alguns pontos da legislação societária parece razoável, pois a situação de recuperandas é de ” terra arrasada”. A lei de recuperação protege a empresa de execução de dívidas. “Se o acionista pode receber um direito de retirada, por exemplo, seria como se ele estivesse sendo colocado à frente do credor, o que vai contra a lei de recuperação”, diz.
Pinheiro, da CVM, avalia não ser uma solução possível para um plano um investidor que não queira seguir a lei societária – como exemplo não quer pagar o tag along ou direito de retirada. Para ele, deve-se, nesse caso, procurar outra solução para o plano. “Deixar de lado a lei ou criar superpoderes para a figura de um juiz tomar uma decisão como essa não me parece razoável para a estabilidade do mercado de capitais”, diz Pinheiro.
A advogada Juliana Bumachar, do Bumachar Advogados, afirma que, além das questões societárias, há pedidos de arbitragem que ocorrem com alguma frequência com empresas em recuperação. “A arbitragem tem um custo muito alto que uma empresa em recuperação não pode arcar. Mas mesmo assim há pedidos que são levados adiante”, diz.
Há também, segundo a advogada, credores que recorrem à Justiça para atrasar ou até inviabilizar planos, por ficarem descontentes com a aprovação. “Temos um caso em que o plano previa pagamento de juros, mas não de correção monetária. Houve uma ação para que se colocasse a correção e o juiz acolheu. Tudo isso atrasou o plano em um ano, e no final, vamos rebalancear as taxas e os valores pagos serão os mesmos.”
Fonte : Valor Econômico- 23/11/2015-
http://alfonsin.com.br/stj-julgar-acordo-de-scios-de-empresa-em-recuperao/