O credor de uma empresa em recuperação judicial tentou anular a homologação do plano da devedora alegando que as certidões negativas de débito tributário não haviam sido apresentadas – contrariando, assim, o artigo 57 da Lei de Recuperação e Falências (Lei nº 11.101, de 2005). Se o argumento fosse aceito pelo Judiciário, a falência da companhia poderia ser decretada.
O caso envolve uma indústria de plásticos do Rio de Janeiro e um fundo de investimentos. Especialistas na área afirmam que esta é a primeira vez que se tem notícias de um credor usando esse argumento para anular o processo de recuperação.
Os desembargadores da 10ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), que julgaram o caso, porém, não aceitaram a contestação do credor e decidiram manter a decisão da primeira instância – optando pela preservação da companhia.
A discussão sobre as certidões voltou a ter força após edição da Lei nº 13.043, de 2014, que instituiu parcelamento tributário especial para as empresas em recuperação judicial. A falta de um programa especial era o principal argumento das companhias contra a exigência do artigo 57 da Lei de Recuperação e Falências e, no Judiciário, havia entendimento pacificado sobre o assunto.
Depois da lei, no entanto, alguns juízes adotaram entendimento contrário à dispensa dos documentos. Há casos também de decisões favoráveis à liberação das certidões, mas contestadas pelo Fisco na segunda instância.
As empresas continuaram insistindo em não apresentar as certidões por entender que o parcelamento não atende as necessidades do mercado. O número de parcelas é pequeno em comparação com o que é oferecido em outros programas federais. São 84 parcelas, enquanto no Refis da Crise ou no da Copa, por exemplo, são 180. Além disso, ao aderir ao parcelamento, as companhias teriam que desistir de processos administrativos ou judiciais.
Relator do caso, o desembargador Bernardo Moreira Garcez Neto, afirma no acórdão que a lei do parcelamento especial às empresas em recuperação trata apenas de dívidas com a União. Não foram contemplados os débitos com os Estados e municípios. “Cabe a cada ente federativo criar regras específicas sobre o parcelamento de seus créditos tributários (artigo 24 da Constituição). No Estado e no município do Rio de Janeiro não há lei tratando do tema”, diz.
O magistrado destaca ainda que mesmo a criação de uma lei de parcelamento dos débitos tributários não poderia ter como “consequência automática o indeferimento da homologação do plano de recuperação”.
Conforme o desembargador, as normas devem ser interpretadas de acordo com os seus objetivos. “E a Lei nº 11.101, de 2005, é precisa ao afirmar que o seu objetivo é viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor.”
A advogada Juliana Bumachar, do escritório Bumachar Advogados Associados, acredita que possam surgir novos casos como o julgado. Ela entende que a lei do parcelamento abre brechas para os credores insatisfeitos. “Porque muitos desses credores sabem que as empresas em recuperação não vão aderir a esses parcelamentos e também não têm a certidão negativa”, diz.
Para o advogado Julio Mandel, do escritório Mandel Advocacia, fica evidente que, quando um credor pratica tal ato, ele está, na verdade, buscando punir o devedor ou tentando criar uma situação de dificuldade para negociar condições melhores do que as aprovadas no plano de recuperação. Essa atitude, entende, deve ser repelida pela Justiça.
“Qual seria o interesse do credor? A procrastinação da aprovação do plano para discutir a apresentação das certidões atenta contra todo o universo de credores sujeitos à recuperação judicial, podendo retardar ou até inviabilizar o recebimento do seu crédito”, afirma o advogado. Mendel destaca que as Fazendas têm procuradoria e foro próprio para buscar a cobrança de impostos, não cabendo ao credor discutir a apresentação das certidões.
O advogado Renato Luiz de Macedo Mange, do escritório que leva o seu nome, chama a atenção para precedentes importantes em favor das empresas em recuperação. Existem decisões favoráveis à dispensa de certidões no tribunal fluminense e também no de São Paulo (TJ-SP).
“O Fisco não participa da recuperação judicial, então a dispensa da apresentação de certidões não o impede de executar a empresa devedora. Desta maneira, se o plano de recuperação não está sendo imposto ao Fisco, não há razão nenhuma para a apresentação dos documentos”, afirma Mange.
Fonte: Valor Econômico- 2/3/2016-
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