Liberdade é fazer tudo o que as leis permitam – Montesquieu
A frase foi tirada do livro O Espiríto das Leis, de Montesquieu. Este foi um dos maiores pensadores da Revolução Francesa, momento histórico em que Maria Antonieta perdeu a cabeça na guilhotina. Dias depois, Luis XVI, o então Rei da França, também foi decapitado. Na época, o povo se rebelava contra um sistema econômico e político que causou fome, miséria, desemprego e inflação. Liberdade política traria liberdade econômica e desenvolvimento. Está lá nos livros de História para ser consultado. Destaco a frase acima, pois uma das bases da Revolução Francesa foi estabelecer limites legais de atuação do Estado na esfera privada. As pessoas, organizações, sindicatos, empresas, não queriam mais ser governados por um Estado. Queriam que o Estado obedecesse às Leis criadas pelo povo.
Mas Montesquieu escreveu a frase acima para nos lembrar de duas coisas: primeira dela – temos liberdade até onde a lei diz que temos. Ninguém está acima dela. Ninguém poderá ofendê-la sem receber a devida sanção. A lei serve para criar limites de atuação daqueles que detém o poder. Outro ponto importante: a lei é para governo, governantes e governados. Ou seja, para todos. A lei deve ser obedecida inclusive pelos governos, afinal de contas, não teria sentido o de criá-las se não fosse para obedecê-las.
Contudo, no dia 23 de julho, o Governo Federal publicou a Medida Provisória 685/2015, que entre outros assuntos estabelece regras que visam “regulamentar” o planejamento tributário, impondo uma série de obrigações para o contribuinte. Apenas para o leitor ficar familiarizado com o tema, planejamento tributário é a forma que as empresas utilizam para verificar se não estão pagamento mais imposto do que devem, pois uma premissa é básica: caso o contribuinte pague imposto a mais o fisco, este não entra contato com o contribuinte para informar tal fato. A recíproca não é verdadeira: caso o contribuinte pague impostos a menor, o fisco certamente baterá na porta do contribuinte cobrando a diferença, com juros e multa.
Mas a nova MP mostra um lado do qual todos os contribuintes devem ficar atentos, mesmos aqueles que não farão planejamento: a Receita Federal “decidirá” qual planejamento tributário é legal ou não. Neste ponto residem alguns problemas, entre eles: pode o Estado, ou a Receita Federal, entrar na esfera da livre iniciativa e na propriedade privada do cidadão, decidindo o que é ou não legal? Penso que não, afinal a legalidade, a lei, a Constituição Federal deve ser aplicada para limitar o poder da Receita Federal, inclusive. Pois, quem tem poder, tende a abusar dele.
Qual a hipótese de a Receita Federal homologar um planejamento que reduza o pagamento de impostos federais? Remota. E se o planejamento tributário trouxe economia de impostos estaduais, como redução de pagamento de ICMS, poderá homologar este tipo de planejamento? Afinal de contas, o prejuízo não será da União, mas dos estados.
Importante esclarecer que o contribuinte, pessoa jurídica, como grandes empresas, ou pessoas físicas buscam ferramentas como planejamento tributário para diminuir a incidência de impostos, com o objetivo de otimizar investimentos e ampliação de atividades. Certamente, para qualquer empresário, de qualquer ramo de atividade, de qualquer parte do Brasil, se questionado se prefere pagar impostos ou empregar mais pessoas, não tenho dúvidas que ele responderá: empregar pessoas. Portanto, o planejamento fiscal é ferramenta para tornar a empresa mais competitiva, mais arrojada, investindo em novos produtos, novos mercados, empregando mais pessoas. Ademais, um planejamento fiscal sério e muito bem feito poderá resultar em capital financeiro mais barato para empresas que aqueles disponibilizados pelos bancos.
Ou seja, ao tentar regulamentar as obrigações de planejamento tributário, o Estado, a Receita Federal coíbe a livre iniciativa, restringe o direito à propriedade e o livre mercado. Esta regra nos restringe a busca dentro da esfera privada, meios de se pagar menos impostos, uma vez que, a lei assim os permite. Também voltamos à época pré-revolução francesa. A Receita Federal não deve esquecer que o papel dela é arrecadar. E só pode arrecadar em razão da geração de riqueza feita pelo contribuinte.
A nova MP estabeleceu uma regra em que, de acordo com o entendimento da Receita Federal, pode desfazer atos e negócios que entendam como dolosos. No ordenamento jurídico brasileiro, a boa-fé é o princípio fundamental entre as regras e direitos entre os homens. Porém, para este órgão, o contribuinte sempre estará má-fé, uma vez que pretender economizar impostos.
Portanto, volto ao tema do início: as leis foram feitas para governos, governados e governantes, uma vez que nos dão liberdade até onde ela diz que a temos.
Bernardo Oliveira
Advogado da área de Direito Societário da banca A. Augusto Grellert Advogados Associados.
[email protected]
30/7/2015-
Fonte- http://www.monitormercantil.com.br/index.php?pagina=Noticias&Noticia=172847&Categoria=EMPRESAS