Em 7 de agosto de 2014 foi aprovada a Lei Complementar nº 147, estabelecendo diretrizes e procedimentos para a simplificação do processo de registro e legalização de empresários e pessoas jurídicas. Referida lei dispõe que o registro de atos constitutivos, suas alterações e baixas poderão ocorrer independentemente da regularidade das obrigações tributárias, previdenciárias ou trabalhistas.
Logo em seguida, em 10 de setembro de 2014, o Departamento de Registro Empresarial e Integração (DREI) aprovou a Instrução Normativa nº 26, que alterou os manuais de registro de empresário individual, sociedade limitada, empresa individual de responsabilidade limitada (Eireli), cooperativa e sociedade anônima, e excluiu a necessidade de apresentação de Certidões Negativas de Débito (CND) para os atos envolvendo o encerramento, transformação, transferência do controle, desmembramento, cisão, fusão e incorporação de empresas, bem como para a redução do seu capital social.
A justificativa para tal iniciativa foi dar celeridade aos processos de encerramento, baixa e operações societárias em empresas brasileiras, o que, em um primeiro momento, pode até parecer bom, tendo em vista que os prazos para encerramento de empresas no país costumam ser tão longos que a maior parte das sociedades permanece inativa, sem proceder com a devida regularização de sua baixa.
O governo preferiu alardear que simplificou o encerramento das empresas sem divulgar que aumentará a arrecadação tributária
Ocorre que, segundo as alterações legais aprovadas, a baixa da empresa sem a apresentação das CNDs não impedirá o lançamento posterior de tributos e suas penalidades, bem como, implicará em responsabilidade solidária dos titulares, dos sócios e dos administradores da empresa baixada.
Ora, tais implicações importam na total desconsideração dos princípios da autonomia patrimonial e da limitação da responsabilidade dos sócios, que foram construídos ao longo de décadas pela civilização e que servem de base fundamental para atrair investimentos em qualquer país do mundo.
Como se sabe, as sociedades possuem um patrimônio próprio, distinto do patrimônio de seus sócios e administradores, de maneira que, como regra, estes não responderão por dívidas da sociedade, ao passo que esta não responderá por dívidas dos seus sócios e administradores. Trata-se de uma maneira eficaz de se limitar os riscos envolvidos na atividade empresarial, motivo pelo qual representa elemento essencial ao desenvolvimento do comércio e da indústria no mundo.
A desconsideração da personalidade jurídica deve ser tratada de maneira excepcional e não como regra. Nesse sentido, o Código Civil, em seu artigo 50, é muito claro ao estabelecer que o juiz só poderá decidir pela desconsideração da personalidade jurídica, caso reste comprovado o abuso da personalidade jurídica, sendo este caracterizado pelo seu desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial.
Ao responsabilizar solidariamente os titulares, sócios e administradores pelas obrigações tributárias da empresa, a Lei Complementar 147/14 equipara a baixa da sociedade sem a apresentação de CNDs ao abuso da personalidade jurídica, nos termos do artigo 50 do Código Civil, consequência esta que nem sequer era aplicável à dissolução irregular das sociedades.
Trata-se de atribuir uma consequência extremamente desproporcional e descabida aos titulares, sócios e administradores de empresas, em prol de se atingir prazos menores no encerramento e baixa das sociedades.
O legislador poderia ter obtido celeridade sem desconsiderar a personalidade jurídica da empresa que está sendo encerrada e o seu respectivo patrimônio autônomo, por exemplo, estabelecendo um patrimônio separado daquele dos sócios e administradores, tal como acontece com o espólio, que representa a universalidade de bens do de cujos e que responde por eventuais dívidas deixadas pelo falecido, livrando, por outro lado, os herdeiros de obrigações que superem a proporção da parte que lhes couber na herança.
Como se vê, o governo preferiu alardear a propaganda de que simplificou o encerramento das empresas sem, contudo, divulgar que, ao mesmo tempo, aumentará a arrecadação tributária, ao viabilizar a execução de créditos empresariais não somente sobre o patrimônio social, mas também sobre o patrimônio particular dos seus titulares, sócios e administradores. Nesse sentido, pode-se dizer que a Lei Complementar 147/14 é uma medida cujo caráter é simplesmente o de aumentar e facilitar a arrecadação tributária, e não necessariamente de tornar mais rápido e eficaz o processo de baixa das empresas.
Mais uma vez, o Brasil retrocede em matéria empresarial, criando uma nova situação de insegurança jurídica que tende a afastar investimentos e que provavelmente fará com que ainda mais empresas permaneçam para sempre inativas, pois, como visto acima, aparentemente será mais vantajosa uma dissolução irregular do que a baixa regularizada, nos termos da Lei Complementar 147/14.
Fonte : Valor Econômico- 23/7/2015;
http://alfonsin.com.br/a-lc-n-147-e-o-encerramento-de-empresas/