O Novo Código de Processo Civil aproxima o direito brasileiro da common law, praticada no mundo anglo-saxão. Isso requer maior esforço dos magistrados para a criação de precedentes de qualidade, bem como dos advogados, que se tornam os primeiros “juízes” das causas.
A análise é do advogado Mauro Pedroso Gonçalves, do escritório Trench, Rossi e Watanabe Advogados, em cooperação com Baker & Mckenzie International. Coordenador do grupo de contencioso cível em Brasília, cidade onde se localizam os tribunais superiores, e onde ele aposta que os advogados deverão sofisticar sua atuação com o Novo CPC.
Em entrevista ao JOTA, Gonçalves afirma que o Novo CPC aumentará a segurança jurídica, bem como estimulará a composição das partes e o uso da mediação, mas não resolverá sozinho o acúmulo de processos nos tribunais. Entende que é necessária uma mudança da cultura brasileira da litigiosidade, especialmente do Setor Público, para endereçar o problema de mais de 100 milhões de processos acumulados nos tribunais.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista.
O que o Novo CPC muda na advocacia?
A principal preocupação que todos nós advogados devemos que ter é com o rebuscamento técnico. Isso se deve a um dos pilares do Novo CPC, que é a força dada aos precedentes, com a criação do incidente de resolução de demandas repetitivas, do recurso extraordinário repetitivo, suspensão de processos em todo o território nacional para casos de repercussão geral e recursos repetitivos etc.
Consequentemente, a atuação perante os tribunais superiores passa a ter uma relevância ainda maior. Será necessário, cada vez mais, aplicar técnicas de direito comparado, utilizadas em países de sistema de common law, para se realizar o distinguishing (distinção entre o caso concreto e o precedente) e o overruling (superação evolutiva de um precedente).
Além disso, é necessário auxiliar os clientes na identificação e atuação em demandas estratégicas, ainda que não sejam partes, com a apresentação de memoriais, participação em audiências públicas, representação de amicus curiae etc. Portanto, a atuação intensa e presencial em Brasília passa a ser ainda mais importante.
Os tribunais superiores estão preparados?
Essa discussão entra nos objetivos do Novo Código, que teve a ambiciosa missão de equilibrar dois pratos de uma balança: a celeridade processual e a qualidade das decisões. Com relação à celeridade, verifica-se a importância dada ao julgamento coletivizado, à segurança jurídica, à simplificação de procedimentos. Quanto à qualidade da decisão, o Código buscou a primazia do julgamento de mérito, a fundamentação adequada, a possibilidade de correção vícios processuais, a efetivação do contraditório.
Algumas reformas não causarão impacto relevante à estrutura judiciária, como a inclusão do agravo interno em pauta. Já para a advocacia é uma medida da maior relevância. Isso evitará a surpresa do advogado quando seu processo é levado em mesa, possibilitando o agendamento prévio de audiências e preparação para o julgamento. É uma medida que já vem inclusive sendo adotada pela 2ª Turma do STJ.
Outras medidas teremos que vivenciar na prática. Por exemplo, para os Tribunais de Justiça e os Tribunais Regionais Federais, houve a extinção dos embargos infringentes, mas suas hipóteses de cabimento foram aplicadas e criou-se uma nova técnica de julgamento. Em suma, em vez da interposição de um novo recurso contra decisões não-unânimes, o julgamento prosseguirá automaticamente com outros desembargadores em número suficiente para garantir a possível inversão do resultado. Não se sabe se os tribunais estão preparados para isso, nem se isso repercutirá em agilidade na tramitação ou travamento de pauta.
E outras reformas dependerão da boa vontade dos tribunais em equilibrar o espírito da lei com o acúmulo de processos. O maior exemplo é a tentativa do Novo CPC em eliminar diversas jurisprudências defensivas. Devido ao acúmulo de processos, os tribunais superiores criaram essas regras jurisprudenciais, não previstas em lei, para barrar recursos. Por exemplo, o Novo CPC, na parte geral de recursos, diz que a parte tem prazo de cinco dias para sanar vícios processuais e complementar documentação. Na parte de recursos para os tribunais superiores, há um dispositivo que assinala que deve ser desconsiderado vício formal grave, mas “desde que não se repute grave”. Aí fica a dúvida… Nas instâncias ordinárias, a falta de procuração do advogado é um vício sanável. Já o STJ cancelará a Súmula 115, que considera inexistente recurso interposto com falha na cadeia de procuração? Esse vício será entendido como realmente grave?
Algum outro exemplo?
Outro exemplo está no cabimento de embargos declaratórios para o caso de decisões que não estiverem fundamentadas nos termos do art. 489, § 1º. Esse dispositivo – demonizado pela magistratura e aclamado pelos advogados – exige uma ampla fundamentação das decisões judiciais. Vamos ser sinceros… Como um ministro do STJ ou do STF fundamentará de forma exaustiva todas as decisões de10 mil processos aguardando julgamento em seu gabinete? De todo modo, esperamos uma maior boa vontade dos tribunais na fundamentação em processos relevantes…
É preciso alterar os regimentos internos dos tribunais superiores?
O Código de Processo Civil se sobrepõe a normas regimentais. Contudo, as alterações serão necessárias para os regimentos se adequarem às novas regras processuais.
Como o sr. vê a “reforma da reforma”, com a sanção da Lei 13.256?
Foram absolutamente necessárias. A comissão de juristas encarregada de elaborar o anteprojeto do novo CPC teve muitos méritos, com destaque ao excelente trabalho de sua relatora, a professora Teresa Arruda Alvim Wambier. Porém, alguns membros dessa comissão e os legisladores não se atentaram para dados estatísticas. Como diz o professor Kazuo Watanabe, o artigo 1º do Código de Processo Civil deveria ser: “Não se faz reforma processual sem análise de estatísticas.”
A principal “reforma da reforma” é o retorno do juízo de admissibilidade. Quando foi sancionado o novo Código, os ministros do STJ e STF viram a dimensão do fim do juízo admissibilidade… Aproximadamente 48% dos recursos especiais não eram remetidos e o STJ não conseguiria se estruturar a tempo para receber todos esses recursos. Aí alguns ministros, capitaneados pelo ministro Paulo de Tarso Sanseverino, foram explicar o problema ao Congresso Nacional e impulsionar o projeto dessa lei. Deu certo.
Outro ponto foi o ajuste na lei para que a ordem cronológica fosse apenas “preferencialmente” obedecida. A implementação dessa norma seria outra dificuldade para o Judiciário.
Ordem cronológica não seria bom para todo mundo?
A padronização de procedimentos é boa para todos. E isso vai além da ordem cronológica. Está nas informações de previsão de julgamento, procedimentos para agendar audiências etc. Mas, com relação especificamente à ordem cronológica, muitas vezes um processo precisa ser decidido com urgência, porque afeta milhões de pessoas ou pode proporcionar investimentos externos, mas não se enquadra nas hipóteses de preferência legal. Nesses casos, a ordem cronológica mais atrapalha do que ajuda os jurisdicionados.
A lei também elimina o plenário virtual, um ponto criticado pela Associação dos Magistrados do Brasil….
Concordo com a AMB! Segundo a norma revogada, o plenário virtual só poderia ser utilizado se as partes concordassem. Por outro lado, eu jamais deixaria um processo meu ser virtualmente julgado… [risos] No julgamento presencial, é sempre possível a interferência do advogado com questões de ordem para evitar equívocos dos magistrados.
No entanto, a previsão de julgamento virtual era uma opção dada às partes e que, provavelmente, ocorreria para causas de menor relevância.
Desde que respeitados os direitos das partes e as garantias constitucionais, sou totalmente favorável à utilização de qualquer medida tecnológica que propicie celeridade. Os advogados têm que parar com essa história de achar que tecnologia não é compatível com o direito. Está aí, como maior exemplo de todos, o processo eletrônico, que já é uma realidade!
Hoje vemos muitas questões sendo resolvidas no STF e no STJ. Isso vai diminuir com o Novo CPC?
A força dada aos julgamentos coletivizados certamente diminuirá o acúmulo de processos nos tribunais superiores. Por isso, como já dito, os advogados terão que buscar um rebuscamento técnico para conseguir diferenciar os seus casos dos precedentes.
Mas isso não resolve o problema! Não adianta simplesmente mudar a lei… Na verdade, tem que se mudar a cultura do litígio no Brasil.
Segundo dados do CNJ, o Setor Público é responsável por mais de 50% dos processos do País, seguido dos bancos com 38% e telefonia com 6%. Já os outros litigantes são responsáveis por somente 5% dos processos. Ou seja, deveria se pensar em uma punição ao advogado público que interpõe recursos protelatórios, e não em responsabilizá-lo por não recorrer em um causa perdida.
Uma ferramenta que acredito que será bastante eficaz é a mediação, principalmente com a novidade do Novo CPC da audiência obrigatória de conciliação e mediação, antes da apresentação de contestação pelo réu. A mediação é um mecanismo de solução de controvérsias muito utilizado em outros países, mas ainda não está na cultura dos clientes e advogados brasileiros.
Outra forma de resolver conflitos seria por meio da arbitragem…
O novo Código de Processo Civil também valorizou a convenção de arbitragem, com destaque para o trabalho, junto ao Congresso Nacional, da OAB/RJ e do conselheiro Joaquim Muniz, sócio do nosso escritório. Mas a arbitragem é mais recomendável para causas que envolvem valores vultosos e questões de extrema complexidade técnica. Não é para qualquer demanda…
A propósito, é função do advogado antever contratualmente ou recomendar o seu cliente sobre a melhor forma de resolver um conflito, seja pela mediação, arbitragem, acordo ou mesmo pela via judicial.
Os honorários sucumbenciais previstos no CPC são preocupação?
Os novos honorários sucumbenciais tornarão o advogado o primeiro juiz da causa, como acontece nos países de common law. No Código de 1973, nas causas em que não há condenação, o juiz pode fixar honorários de forma equitativa. Aí, os juízes acabam fixando honorários em mil reais, dez mil reais, para causa de um milhão, dez milhões, que duram anos…
Agora, quer nos casos de procedência quer nos casos de improcedência, os honorários serão fixados entre 10% a 20% sobre o valor da causa. Só se admite fixação equitativa nas causas em que o valor for inestimável ou muito baixo. Espera-se, então, que os advogados não recomendem os seus clientes a ingressarem com “aventuras jurídicas”… Deverão avaliar os riscos e colocar a sucumbência no custo do processo.
Da mesma forma, o Novo CPC inovou com os honorários recursais. A verba sucumbencial, devida ao advogado da parte vencedora, poderá ser majorada levando em conta o trabalho adicional na esfera recursal. Essa é mais uma tentativa do Novo CPC para reduzir a litigiosidade… Porém, os honorários recursais não poderão ultrapassar o limite de 20%.
Essa mudança de cultura buscada pelo Novo CPC pode influenciar Executivo e Legislativo a buscarem maior segurança jurídica?
Os princípios do Novo CPC retratam os anseios de toda a população: segurança jurídica, celeridade processual, julgamento adequado, formação de um precedente de qualidade, entre outras. Essa tendência não só pode, como deve se refletir em todos os 3 poderes.
Não adianta, após o esforço para elaboração desse Novo Código, o Superior Tribunal de Justiça, que é a última palavra em matéria infraconstitucional, simplesmente ignorar a lei ou criar novas jurisprudências defensivas de forma indiscriminada. As reformas deverão ser analisadas com cuidado e com a sensibilidade que exige a incorporação de um novo diploma no ordenamento jurídico.
Por outro lado, deve haver uma reflexão dos membros do Poder Legislativo sobre a criação de normas inexequíveis, ou exequíveis apenas em um mundo ideal… Isso gera apenas novas reformas, como já ocorreu com o Novo Código, antes mesmo de entrar em vigor. Já o eleitor tem que parar de achar que o parlamentar que trabalha é aquele que apresenta o maior número de projetos de lei. No Brasil, não faltam leis! Faltam segurança jurídica, celeridade e harmonia entre os Poderes…
Da mesma forma, espera-se que a experiência dessa reforma processual também influencie o Poder Executivo. A população não aguenta mais surpresas e imprevisibilidade por parte dos governantes. Isso tudo está no espírito da mudança cultural que propõe o Novo Código de Processo Civil.
19/2/2016
Fonte-
http://jota.uol.com.br/novo-cpc-exigira-nova-forma-de-atuacao-dos-advogados-diz-mauro-goncalves