Em tempos em que o Estado impõe severos encargos tributários aos seus contribuintes, qualquer medida lícita que vise a reduzir este ônus é extremamente bem vinda. Justamente com esse propósito que as pessoas jurídicas utilizam-se da figura dos Juros sobre Capital Próprio (JCP).
Por meio deste instituto, criado em 1995 pela lei 9.249, é permitido que a empresa (lucro real) remunere seus sócios ou acionistas com o pagamento de juros pelo capital investido na sociedade, calculados sobre as contas do patrimônio líquido e limitados à variação da Taxa de Juros de Longo Prazo – TJLP. Os valores pagos a esse título podem ser deduzidos como despesa, para efeitos da apuração do lucro real, desde que respeitadas as condições estabelecidas na legislação.
A vantagem do pagamento dos JCP está no fato de que o lucro tributável da sociedade pode ser reduzido pela despesa gerada pelo pagamento dos juros aos sócios ou acionistas e com isso a empresa economiza de impostos o equivalente a 34% do respectivo valor pago, enquanto que o ônus gerado pelo pagamento dos JCP aos sócios ou acionistas é de 15% a título de imposto de renda na fonte.
Feitas estas considerações, a problemática que se propõe a abordar é o seguinte: empresa que não pagou JCP aos seus sócios ou acionistas ao longo dos últimos 5 anos e que, agora em 2016, decide pagar os juros acumulados no período, pode deduzir a despesa total na apuração do lucro real?
A Receita Federal entende que não é possível, mas a verdade é que não há nas normas que tratam dos JCP (lei 9.249/95, IN da Receita Federal 1.515/14, entre outras) nenhuma disposição que proíba o contribuinte de realizar esta operação, sendo este um dos argumentos defendidos na decisão do STJ que autorizou uma empresa a fazer a dedução, contrariando a posição do fisco:
“MANDADO DE SEGURANÇA. DEDUÇÃO. JUROS SOBRE CAPITAL PRÓPRIO DISTRIBUÍDOS AOS SÓCIOS/ACIONISTAS. BASE DE CÁLCULO DO IRPJ E DA CSLL. EXERCÍCIOS ANTERIORES. POSSIBILIDADE.
I – Discute-se, nos presentes autos, o direito ao reconhecimento da dedução dos juros sobre capital próprio transferidos a seus acionistas, quando da apuração da base de cálculo do IRPJ e da CSLL no ano-calendário de 2002, relativo aos anos-calendários de 1997 a 2000, sem que seja observado o regime de competência.
II – A legislação não impõe que a dedução dos juros sobre capital próprio deva ser feita no mesmo exercício-financeiro em que realizado o lucro da empresa. Ao contrário, permite que ela ocorra em ano-calendário futuro, quando efetivamente ocorrer a realização do pagamento.
III – Tal conduta se dá em consonância com o regime de caixa, em que haverá permissão da efetivação dos dividendos quando esses foram de fato despendidos, não importando a época em que ocorrer, mesmo que seja em exercício distinto ao da apuração.
IV – “O entendimento preconizado pelo Fisco obrigaria as empresas a promover o creditamento dos juros a seus acionistas no mesmo exercício em que apurado o lucro, impondo ao contribuinte, de forma oblíqua, a época em que se deveria dar o exercício da prerrogativa concedida pela Lei 6.404/1976”.
V – Recurso especial improvido.
(REsp 1086752/PR, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/02/2009, DJe 11/03/2009)”
Outro argumento a favor desta operação, desta vez pelo Carf, é de ordem contábil e considera a aplicação do princípio da competência, o qual prevê que as receitas e despesas devem ser incluídas na apuração do resultado da empresa no período em que ocorrerem.
Segundo este órgão, sendo os JCP uma despesa financeira, a sua ocorrência se verifica no momento no qual a sociedade delibera, por ata, em realizar os pagamentos aos sócios a esse título. Assim, existe o respeito ao princípio contábil da competência se houver, em 2016, deliberação para pagar os JCP referentes às rentabilidades experimentadas, por exemplo, em 2013 a 2015 (acórdão 1801001.128 de 8/8/12).
Porém, na via contrária deste entendimento, a Receita Federal do Brasil entende que a correta aplicação do referido princípio contábil da competência obriga que “qualquer despesa, para ser admitida como componente do resultado de determinado exercício, deve necessariamente decorrer de fatos geradores considerados no respectivo período apurado e demonstrado”, conforme solução de consulta 329 – COSIT. Deste modo, seguindo o exemplo proposto acima, seria impossível deduzir, em 2016, despesa com JCP referente a fatos geradores ocorridos em anos anteriores e não deliberadas pela sociedade oportunamente.
Veja que, embora se trate de uma medida lícita de economia tributária, os órgãos administrativos, responsáveis por uma primeira análise desta operação, não são unânimes num posicionamento (existem também posicionamentos contrários aos contribuintes no Carf). Não obstante, na via judicial, embora a jurisprudência ainda não esteja consolidada, os contribuintes possuem forte precedente favorável do STJ que, inclusive, foi ratificado pelos TRFs da 3ª e da 4ª região, autorizando a dedução de despesa com JCP referente a períodos passados.
O que se vê, portanto, é mais uma medida legal de economia tributária conferida aos contribuintes que o fisco, impulsionado pela sua ânsia de arrecadar, tenta inviabilizar pela atuação da Receita Federal, e até mesmo do Carf, sendo imprescindível que os interessados nesta operação mais uma vez se socorram ao Poder Judiciário para obter autorização de operação que, em regra, a lei não proíbe.
16/8/2016