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Sejam bem-vindas quotas preferenciais

A possibilidade de se criarem quotas preferenciais em sociedade limitada é uma questão que vem gerando discussão jurídica há muito tempo, na doutrina e no dia a dia do registro empresarial nas Juntas Comerciais.

Essa discussão sobre a legalidade das quotas preferenciais ganha um novo capítulo com a edição da Instrução Normativa nº 38/2017, do Departamento de Registro Empresarial e Integração (Drei), que entrou em vigor no dia 2 de maio.

Até então, a diferenciação admitida pelas Juntas Comerciais entre os direitos dos sócios de uma sociedade limitada se restringia à distribuição dos lucros de maneira desproporcional às quotas por eles titularizadas.

O advogado terá que delimitar os contornos das quotas para não contrariar ou avançar além do regime jurídico das limitadas

Aliás, ultimamente, a recomendação prática passou a ser a inserção de cláusula no contrato social (e não apenas estipulação em deliberação de sócios) para evitar interpretação da Receita Federal de que a distribuição desproporcional de lucros tinha o objetivo de disfarçar pagamento de pró-labore a sócios-administradores e evitar o recolhimento dos respectivos tributos, em especial a contribuição previdenciária patronal.

Para questões além da distribuição desproporcional de lucros, os sócios interessados acabavam tendo que se valer de acordo de quotistas, que é um pacto paralelo ao contrato social, via de regra sigiloso, cujo prazo de vigência por período muito longo sempre foi alvo de críticas e incertezas quanto à sua vinculação e aos seus efeitos jurídicos – situação inexistente quanto às cláusulas de contrato social que podem e são, via de regra, estabelecidas por prazo indeterminado.

Como resultado de reinterpretação do Drei quanto a dispositivos do Código Civil que tratam da sociedade limitada, o cenário acima relatado mudou a partir de 2 de maio, data de vigência da Instrução Normativa nº 38/2017, cujo item 1.4 do anexo II passou a autorizar expressamente que as Juntas Comerciais promovam o registro de contratos sociais que prevejam quotas preferenciais ao lado das demais quotas, que aqui nominaremos de quotas ordinárias ou comuns.

Mas o que são quotas preferenciais? A definição não é encontrada no Código Civil, mas resulta da adaptação do regime das ações preferenciais para compatibilizá-lo com as quotas de sociedade limitada cujo contrato social preveja a utilização supletiva da lei das sociedades anônimas.

Assim, as quotas preferenciais são aquelas que conferem aos seus titulares alguma vantagem, via de regra relacionada aos lucros e/ou aos haveres em caso de dissolução como, por exemplo, o estabelecimento de recebimento antecipado e/ou de benefícios econômicos na sua quantificação. Além disso, as vantagens também podem ser de ordem política, em especial quando relacionados à possibilidade de eleger membro(s) de órgãos administrativos, à exceção da diretoria composta pelos administradores com função executiva.

A par das vantagens conferidas às quotas preferenciais, não é obrigatório estabelecer restrições, mas pode ser conveniente que o faça para “equilibrar” as relações societárias. Dentre as restrições, a mais usual é a limitação total ou parcial do direito de voto quanto a determinadas matérias, sem prejuízo da manutenção de tal direito de voto quanto às matérias específicas acerca das quais o Código Civil exige quórum de deliberação que leve em consideração todo o “capital social” (artigo 1.076).

Assim, no nosso entendimento, sempre que o Código Civil exigir quórum de deliberação correspondente à simples “maioria dos presentes”, é possível restringir o direito de voto das quotas preferenciais quanto às respectivas matérias, sem possibilidade de extensão das restrições às matérias sujeitas a quórum que considere todo o “capital social”.

Diante do cenário novo que se inaugura com a vigência da Instrução Normativa nº 38/2017, que sejam bem-vindas as quotas preferenciais, cuja criação será certamente incentivada, ampliando as possibilidades jurídicas da engenharia negocial, com benefícios para investimentos e planejamentos sucessórios nas empresas.

Quanto mais possibilidade jurídica, mais os investidores são atraídos e fomentam sua criatividade empreendedora. Da mesma forma, mais os controladores recebem estímulo para organizar criativamente a sua sucessão empresarial, em especial quando realizada para herdeiros.

Para os advogados, muito trabalho à vista, pois terão a missão de delimitar os contornos das quotas preferenciais com o cuidado de não contrariar ou avançar além do regime jurídico das limitadas no Código Civil, e sem a ajuda da jurisprudência, já que se desconhece qualquer análise do tema pelo Poder Judiciário, nem muito mesmo pelos julgados sigilosos das Cortes de arbitragem.

Frederico Garcia Pinheiro é mestre em Direito, procurador do Estado (GO) e sócio do Pinheiro & Fortini Escritório de Advocacia

Por Frederico Garcia Pinheiro

Fonte: Valor Econômico- 30/5/2017-

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