A despeito da comunicação informal dos funcionários, dos guias salariais e das ferramentas que permitem ter acesso a dados de remuneração em muitas companhias, o assunto dinheiro continua a ser, de modo geral, um tabu no mundo corporativo. A falta de transparência, no entanto, traz consequências para o engajamento, a retenção e o sentimento de valorização dos profissionais. Desse modo, especialistas afirmam que aos poucos as políticas de remuneração tendem a ficar mais claras e abertas.
“Algumas empresas ainda consideram salário uma informação estratégica e que pode dar vantagem competitiva indesejada para o concorrente”, afirma Gustavo Tavares, diretor da Korn Ferry Hay Group, consultoria de gestão de negócios que realiza pesquisas de remuneração e recompensas. “Elas se baseiam na crença de que o salário é o maior diferenciador nas organizações, mas isso já não funciona tão bem com as novas gerações de profissionais”, diz.
O cenário não é diferente nas salas de entrevistas e no contato com headhunters. O tema é considerado delicado e o profissional que se apressa para falar de dinheiro pode ser malvisto pelo futuro contratante. “Quando o candidato demonstra que está muito preocupado somente com a questão salarial, o empregador pode ter a impressão de que o seu único objetivo é uma alavancagem ou ganho financeiro. Por esse motivo, em alguns casos o headhunter orienta que o tema seja discutido somente após a realização da maior parte das entrevistas”, afirma Carolina Cadorin, gerente da empresa de recrutamento Hays.
Tavares afirma que, ainda hoje, salário é “assunto exclusivo de RH” em muitas companhias. “Mesmo profissionais híbridos como os business partners, que atuam com suporte de recursos humanos dentro das áreas de negócios, têm dificuldade de trafegar no que chamamos de caixa preta da remuneração”, afirma. Um dos piores pesadelos das empresas, segundo ele, é a conversa de corredor, momento em que colegas compartilham entre si o quanto ganham e expõem a política salarial praticada na organização. “A resistência em lidar com o tema pode gerar pedidos de demissão em razão da falta de clareza sobre o futuro da carreira e da remuneração do profissional”, alerta.
A percepção do quanto se é pago, mais do que o salário em si, pode ser uma das chaves para o engajamento e a retenção dos funcionários, afirma Tim Low, vice-presidente de marketing da PayScale, empresa de softwares de compensação. A PayScale realizou recentemente uma pesquisa com mais de 70 mil profissionais nos Estados Unidos e identificou que 65% das pessoas que recebiam um salário dentro da média do mercado achavam que ganhavam abaixo dessa média. Até mesmo quem tinha uma remuneração acima da média sofria com o problema – mais de um terço achava que era mal pago em relação ao restante do mercado. “A maioria das pessoas simplesmente não sabe se está recebendo um salário justo”, afirma.
Para Low, trata-se de uma questão de comunicação direta e baseada em fatos. “Quanto mais transparente for a informação sobre a política salarial, mais os funcionários sentirão que estão sendo tratados de forma justa”, afirma. A pesquisa mostrou uma relação direta entre a clareza dessa informação e a retenção dos profissionais, uma vez que funcionários com mais dados sobre as práticas de compensação da organização revelam menor intenção de sair.
Na empresa de tecnologia americana Buffer, que tem 62 funcionários espalhados por diversos países, a transparência é praticada desde a sua fundação, em 2010, e tornou-se propaganda para atrair novos talentos. Além de divulgar os salários de todos os funcionários em seu site, a empresa também tem, desde novembro, um aplicativo que permite a qualquer pessoa calcular o quanto ganharia caso fizesse parte do time. A ferramenta leva em conta itens como cargo, senioridade, experiência e custo de vida na cidade onde o profissional vive.
“Não existe negociação salarial”, afirma Courtney Seiter, executiva de conteúdo da Buffer. Em relação às políticas de meritocracia corporativa, ela afirma que a empresa tem uma cultura e um conjunto de valores específico, que não privilegia egos e nem ambições de chegar ao topo com muita rapidez.
Criada há aproximadamente dois anos, a fórmula de cálculo dos salários ainda não leva em conta itens como promoções e aumentos por mérito. A estratégia, segundo a executiva, vem dando certo em atração e retenção de talentos: desde 2013, apenas um funcionário saiu da empresa, enquanto a divulgação da política salarial aberta dobrou a quantidade de currículos recebidos. “Atraímos um tipo de profissional muito idealista, que valoriza o que temos a oferecer e quer realmente participar do nosso experimento”, afirma.
No Brasil, a transparência total com os salários ainda não é adotada pelo mercado, mas há avanços, segundo Gustavo Tavares, diretor da Korn Ferry Hay Group. “A divulgação completa da tabela de salários ainda é uma realidade distante, pois requer um nível de maturidade muito alto tanto do RH quanto dos funcionários e uma relação de confiança muito desenvolvida na empresa”, diz.
As iniciativas mais comuns em políticas salariais abertas são as de companhias que comunicam suas estratégias de remuneração e deixam claro para o profissional o caminho que ele deve seguir na companhia. “A grande pergunta não é o quanto pagar, já que hoje encontramos muitas tabelas de remuneração e fontes livres sobre salários na internet. A questão agora é como pagar”, explica. A composição da remuneração fixa e variável, benefícios e outros incentivos de longo prazo devem estar entre as prioridades da estratégia salarial das organizações.
Na farmacêutica Bristol-Myers Squibb, a adoção de faixas salariais para todos os cargos e os processos de promoção e aumento programados são parte da estratégia de remuneração, segundo Camila Morena, gerente de RH da Bristol-Myers Squibb. Uma vez por ano, em junho, os funcionários se reúnem com seus gestores para fazer uma avaliação salarial, com base em metas definidas no ano anterior – o mesmo vale para as promoções de cargos, que acontecem em outubro. Neste último caso, quando um profissional é promovido, todos os funcionários são comunicados. “Isso possibilita que as pessoas conversem sobre o assunto entre si e com seus gestores.”
A gerente de RH afirma que tem consciência das conversas informais entre os funcionários sobre o assunto. “O ser humano adora falar sobre salário e muitos acabam contando sua remuneração para os outros. O lado bom é que eles percebem que existe um alinhamento interno e também externo”, diz Camila, que afirma adotar pesquisas de mercado para verificar a competitividade salarial da empresa mediante suas concorrentes do setor.
Há casos, porém, de funcionários que pedem aumento com o argumento da conversa de corredor. “Recentemente um gerente da empresa nos disse que sabia o salário de todos os profissionais. Quando fomos conferir os dados, vimos que a percepção dele não tinha a ver com a realidade”, diz.
Fonte- Valor Econômico- 21/1/2016- http://www.seteco.com.br/midia/list.asp?id=14166