Estar quites com as obrigações tributárias para se obter os favores da Lei de Recuperação Judicial para uma tentativa de reorganização financeira, econômica da empresa é, desde o século passado, um empecilho na vida de quem se encontrasse em situação de crise econômico-financeira. É que o velho e revogado Decreto-Lei 7.661/1945, que regulava os extintos institutos da falência e da concordata, previa em seu artigo 174, inciso I, que se o devedor não exibisse a prova do pagamento de todos os seus impostos, ao invés de receber as benesses legais da concordata impetrada, tinha decretada contra si a falência. E como isto era uma constante, a jurisprudência de então, visando evitar o mal maior – a falência – firmou-se no sentido de se possibilitar ao impetrante a desistência do seu pedido de concordata quando não pudesse comprovar as exigências da Lei.
Revogado o Decreto-Lei 7.661/45 pela Lei 11.101/2005, que disciplina a recuperação judicial, a recuperação extrajudicial e a falência do empresário (pessoa física) e da sociedade empresária (pessoa jurídica), as mesmas exigências – o pagamento de todos os tributos – agora amenizadas pela inclusão do parcelamento, também são partes integrantes e inseparáveis da nova Lei, cuja exigência encontra-se em seu artigo 57. O Código Tributário Nacional, com alterações introduzidas pela Lei Complementar 118/2005, estabeleceu em seu artigo 155-A que o parcelamento para os empresários e sociedades empresárias em recuperação judicial seria concedido na forma e condição estabelecidas em lei específica. Ainda que, enquanto esta lei específica não fosse editada, importaria na aplicação das leis gerais de parcelamento do ente da Federação ao devedor em recuperação judicial, cujo prazo não seria inferior ao concedido pela lei federal então em vigor que regulava a questão.
Esta Lei é a de número 10.522/2002, que dispõe sobre o cadastro informativo dos créditos (Cadin) não quitados de órgãos e entidades federais e dá outras providências, que em seu artigo 10 estabelece que os débitos de qualquer natureza para com a Fazenda Nacional poderão ser parcelados em até 60 parcelas mensais, a exclusivo critério da autoridade fazendária, na forma e condições previstas nesta Lei. Ou seja, qualquer parcelamento de débitos para com a Fazenda Nacional, até então, seria de no máximo 60 vezes.
Já a Lei número 12.043/2014, em seu artigo 43, prescreve que a acima citada Lei 10.522/2002, passa a vigorar acrescida do artigo 10-A, com este teor: “O empresário ou a sociedade empresária que pleitear ou tiver deferido o processamento da recuperação judicial, nos termos dos artigos 51, 52 e 70 da Lei no 11.101/2005, poderão parcelar seus débitos com a Fazenda Nacional, em 84 (oitenta e quatro) parcelas mensais e consecutivas, calculadas observando-se os seguintes percentuais mínimos, aplicados sobre o valor da dívida consolidada:
I – da 1ª à 12ª prestação: 0,666% (seiscentos e sessenta e seis milésimos por cento);
II – da 13ª à 24ª prestação: 1% (um por cento);
III – da 25ª à 83ª prestação: 1,333% (um inteiro e trezentos e trinta e três milésimos por cento); e
IV – 84ª prestação: saldo devedor remanescente”.
Em princípio, a intenção do legislador é a melhor das melhores, vez que o parcelamento é escalonado partindo-se de valores em percentuais considerados menores, especialmente nas 12 primeiras parcelas, nada obstante a frustração de muitos devedores que acreditavam em um parcelamento com maior número de parcelas. Entendemos, entretanto, que neste ponto o legislador teve bom senso, pois o prazo de oito anos e pela forma prevista de pagamento, é bastante razoável.
De outro lado não nos parece razoável o disposto nos sete parágrafos que integram este artigo 10-A, pois, a Fazenda Nacional dá com uma mão e toma com a outra. Por exemplo, ao prescrever que todos os débitos do empresário (pessoa natural) ou da sociedade empresária (pessoa jurídica) que pleitearem a recuperação judicial, exceto os débitos incluídos em parcelamentos regidos por outras leis, poderão constar do parcelamento, mas que aqueles que se encontrarem sob discussão – que o devedor acredita não dever ou não dever tudo – tanto na fase administrativa quanto na judicial, tem ele que comprovar de forma expressa e irrevogável que desistiu de sua pretensão e ainda, que renunciou a quaisquer alegações de direito que lhe serviram de fundamentos para a referida discussão ou administrativa ou judicial. Não o fazendo, não haverá o parcelamento.
A Lei parece muito rigorosa quando prevê que a falta de pagamento de três parcelas, consecutivas ou não, ou de uma parcela estando todas as demais pagas, implicará a imediata rescisão do parcelamento e remessa do débito para inscrição em dívida ativa da União, ou o prosseguimento da execução, se suspensa, constituindo-se, também, em motivo para a decretação da falência. Outro ponto negativo para quem necessitar do parcelamento e os seus débitos encontrarem-se inscritos na Dívida Ativa, a concessão do parcelamento fica condicionada à apresentação pelo devedor, de garantia real (hipoteca, etc.) ou fidejussória (pessoal), inclusive fiança bancária idônea e suficiente para o pagamento do débito, excluindo-se as microempresas e empresas de pequeno porte inscritas no Simples.
Outra exigência que pode contribuir para a não consecução do parcelamento é quando o devedor, por si ou por terceiros responsáveis, já tenha bens e direitos constituídos em garantia dos respectivos créditos, mas decorrentes de outros procedimentos, e por necessitar dos benefícios da lei (a recuperação judicial), quer incluir, como faculta a lei, todos os débitos neste parcelamento. Diz a Lei que o parcelamento pode ser feito, mas que tais bens e direitos não serão liberados.
Por fim, a Lei específica prevista no CTN em seu art. 155-A para regular o parcelamento dos impetrantes do benefício da recuperação, na realidade, não existe, não veio. O que o legislador fez foi apenas acrescentar à Lei Geral de parcelamento da Fazenda Nacional – a de número 10.522/2002, um artigo específico para os pretendentes à recuperação judicial, concedendo a estes a possibilidade de, para terem concedido o benefício legal, parcelarem seus débitos junto à mesma em 84 parcelas mensais e consecutivas. Nem mais nem menos. Pois, os demais percalços impostos aos possíveis beneficiários (os devedores que requeiram a recuperação judicial), ou decorrem do mesmo artigo 10-A ou são disposições já constantes da citada Lei 10.522/2002.
Portanto, a nosso ver, além de frustradas as expectativas dos devedores sujeitos ao parcelamento por só existirem 84 parcelas, frustrados também ficamos nós, os operadores do direito, pois, depois de quase dez anos de vigência da Lei 11.101/05, não temos editada uma lei específica tão esperada e com privilégios para os devedores em questão, mas sim um remendo agregado e dispositivos retirados de uma Lei que já vigorava três anos antes da LRF.
E pensar que a estas alturas todos os Tribunais de Justiça do Brasil, inclusive o Superior Tribunal de Justiça, já pacificaram o entendimento de que o parcelamento é um direito do devedor que se encontra na situação prevista e que, enquanto não existisse a Lei específica, ser devedor de tributos não era motivo impeditivo para a concessão da recuperação judicial. Ou seja, aquele entendimento que a jurisprudência firmou na ausência desta Lei, nos parece agora, com a vigência desta Lei, outras construções terão que ser feitas pelo nosso digno Judiciário. Falta, todavia, a regulamentação, de responsabilidade da Secretaria da Receita Federal do Brasil e da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional que, por ato conjunto, quando couber, editarão os atos necessários à efetivação dos dispositivos.
Renaldo Limiro
Advogado, é membro da Academia Goiana de Direito (Acad). 14/1/2015
Fonte- http://www.monitormercantil.com.br/index.php?pagina=Noticias&Noticia=164710&Categoria=OPINI%C3%83O