Na prática, o PDL visa a desconstruir todas as relações jurídicas como se elas nunca tivessem existido, alerta Carvalho
As empresas que aderiram voluntária e regularmente ao Programa de Regularização Tributária (PRT) do governo federal e que já começaram a efetuar os pagamentos dos tributos em atraso podem se tornar novamente devedoras do governo caso o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) de autoria do deputado Alfredo Kaefer (PSL) seja aprovado no Congresso Nacional e sancionado pelo presidente da República, Michel Temer.
Em seu artigo 1º, o projeto afirma que tal “Decreto Legislativo revoga as relações jurídicas travadas na vigência da Medida Provisória nº 766”. Segundo Flavio Carvalho, advogado do Schneider Pugliese Advogados, o PDL pode representar uma grave afronta às empresas que estão usufruindo do PRT para regularizar sua situação tributária junto à Secretaria da Receita Federal e à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. “Na prática, o PDL visa a desconstruir todas as relações jurídicas como se elas nunca tivessem existido”, alerta.
Com isso, explica o tributarista, “as empresas que aderiram regularmente e já até pagaram os seus tributos podem voltar a ser devedoras com base em uma norma que sequer tem status de lei para criar, modificar ou extinguir direitos”, enfatiza.
JC Contabilidade – Por que você acredita que esse PDL esteja em discussão?
Flavio Carvalho – Esse PDL, na minha ótica, tem função muito mais política do que jurídica. Parece-me que o Congresso pretendia, com uma medida tão drástica, pressionar o governo a acelerar a apresentação de uma nova medida provisória que criasse outro tipo de parcelamento, o que foi feito pela Medida Provisória nº 783, atualmente em vigor.
Contabilidade – É possível que uma matéria sem teor de lei venha a afetar as empresas que aderiram ao PRT?
Carvalho – Juridicamente, apenas lei pode criar, modificar e extinguir os direitos de forma originária. Assim, não vejo como um decreto legislativo, cuja função seria apenas regular os atos concretizados no período da MP nº 766 (Programa de Regularização Tributária), a adesão das empresas ao programa, poderia prever que estas adesões e os pagamentos feitos não ocorreram. Seria um caos jurídico.
Contabilidade – O que deve acontecer com as parcelas que já foram pagas?
Carvalho – Considerando que o PDL seja aprovado, as parcelas pagas deveriam ser imediatamente restituídas aos contribuintes para que eles possam aderir ao Programa Especial de Regularização Tributária (Pert), instituído pela MP nº 783.
Contabilidade – O valor que deixaria de ser arrecadado com o pagamento das parcelas pode afetar negativamente as contas da União?
Carvalho – Sem dúvida. Afinal a União já arrecadou os recursos daqueles que aderiram à MP nº 766 e agora teria que devolvê-los aos contribuintes, que teriam mais algumas semanas para decidir se vão aderir à MP 783.
Contabilidade – Qual a importância dos programas de regularização para as empresas e para o Estado?
Carvalho – Os programas trazem recursos imediatamente para os caixas públicos, possibilitando investimentos e redução da dívida pública. Para as empresas, significa a possibilidade de redução de suas contingências tributárias, melhora de sua saúde financeira e possibilidade obtenção de financiamentos de seus projetos com empréstimos.
Contabilidade – O projeto revoga apenas o PRT decorrente da MP 766/2017 ou pode afetar os Refis e outros programas de refinanciamento de dívidas tributárias com a União?
Carvalho – O PDL atinge apenas a MP nº 766, não tendo qualquer impacto jurídico nos programas anteriores. É importante lembrar que a MP nº 766 autorizava que os contribuintes que estivessem em outros programas aderissem ao PRT, o que levaria a sua exclusão dos outros. Como o PDL apenas torna sem efeito as adesões ao PRT, o mais lógico é que os contribuintes retornem à situação em que estavam anteriormente, mas até quanto a isso há dúvida, tamanha a insegurança gerada pelo PDL.
Contabilidade – A medida pode trazer insegurança jurídica às organizações?
Carvalho – Enorme insegurança. Seja porque é uma norma inferior às leis, mas que pretende extinguir direitos. Seja porque ela não resolve essas questões práticas relacionadas com os pagamentos realizados pelos contribuintes, e a situação dos outros parcelamentos em que estavam enquadrados e dos quais foram excluídos com a adesão ao PRT.
Fonte- Jornal do Comércio- 21/6/2017- http://jcrs.uol.com.br/_conteudo/2017/06/cadernos/jc_contabilidade/568397-projeto-gera-instabilidade-entre-quem-aderiu-ao-prt.html