Apesar de vigorar há mais de 20 anos, a lei que assegura o exercício dos direitos de pessoas com deficiência (PCDs) ainda é uma dor de cabeça para empresas, que têm dificuldades para contratar esses profissionais. Alguns cuidados, porém, ajudam o empresário nessa tarefa.
A Lei 8.213 estabelece cotas de contratação de PCDs de acordo com o número total de funcionários. Empresas com menos de 100 empregados estão dispensadas da exigência; a partir desse número, há porcentuais para cada faixa. A fiscalização fica a cargo do Ministério Público do Trabalho (MPT). Empresas não enquadradas ficam sujeitas a multa e têm de firmar um termo de ajustamento de conduta com prazo para se adequar.
A multa é variável e depende do que falta ajustar em cada caso, diz a especialista Bruna Tavarez, do escritório Pedro Miguel Advogados Associados. “O valor pode ir de R$ 1.195,13 a R$ 1.792,70, multiplicado pelo número de empregados que deveriam ser contratados”, diz.
A legislação também estabelece que o tipo de deficiência não pode determinar o salário, pois isso é considerado discriminação. PCDs ou não, profissionais devem competir por vagas e salários de igual para igual. O que a empresa pode e deve fazer é avaliar as áreas e atividades mais adequadas para o exercício das habilidades de PCDs. Os objetivos são tanto evitar acidentes quanto proporcionar o desenvolvimento profissional da pessoa com deficiência, de modo que ela possa contribuir efetivamente para o desempenho do negócio.
Um dos desafios para a integração é a estrutura do local de trabalho, que pode precisar de adaptações para receber esses profissionais. É o que fez a fabricante de fármacos Blau Farmacêutica, de Cotia (SP).
O passo a passo
A estrutura física da farmacêutica foi reformada para passar a oferecer facilidades como rampas de acesso, banheiros exclusivos e passagens mais amplas. Áreas como as salas dos sistemas de monitoração receberam equipamentos próprios e bancadas em medidas compatíveis com as características de PCDs.
A gerente de RH da Blau, Denize Teixeira, conta que, com a necessidade de cumprir a cota, as empresas chegam a disputar profissionais com deficiência. “O mercado fica muito aquecido e competitivo, possibilitando às PCDs escolherem onde desejam trabalhar, de acordo com os critérios que elegem: salário, cargo, benefícios, localização, área de trabalho e segmento”, diz.
A farmacêutica tem 850 funcionários, 20 deles PCDs. “Temos um cronograma desenhado com o MTE para fechar a cota até o final do primeiro semestre de 2015”, completa.
Com grande oferta de vagas e demanda específica por elas, empresas têm investido em parcerias com ONGs que capacitam pessoas com deficiência e com sites de cadastro de currículos. Somente um deles, o deficienteonline.com, apresentava 42.090 currículos cadastrados e 2.438 vagas anunciadas até a data desta edição.
Além da contratação e da adequação da estrutura física, um desafio a ser enfrentado pelos departamentos de RH é a integração interna dos novos colaboradores com os demais.
O Hospital São Lucas, no Rio de Janeiro, oferece para a equipe inteira, a cada quatro meses, um curso de linguagem brasileira de sinais (libras). “O curso é ministrado para todos os funcionários para proporcionar uma interação efetiva com profissionais surdos e mudos da unidade”, diz a supervisora de RH do hospital, Audrey Falleiro. “Acreditamos que, se os demais colaboradores aprenderem a se comunicar da mesma forma, essa inclusão será ainda mais efetiva no ambiente de trabalho”, diz.
As referências das grandes
A instituição tem hoje 1.050 colaboradores, 36 deles com algum tipo de deficiência, e deve contratar mais 20 até janeiro para cumprir a cota estipulada pela lei e pelo MPT.
A ideia do hospital de oferecer o curso de libras para favorecer a inclusão é um exemplo das iniciativas que pequenas e médias podem tomar para se alinhar com práticas já adotadas por grandes empresas.
A multinacional Shell, que no Brasil tem cerca de 900 funcionários, conta com uma rede interna que colabora para a integração dos 34 profissionais com algum tipo de deficiência que atuam em diversas áreas e cargos. Chamada Enable, essa rede atua no Brasil, Holanda, Inglaterra, Canadá e EUA e está sendo implementada na França. Aqui, 40 funcionários, com e sem deficiência, participam de forma voluntária. O objetivo, diz a gerente de Treinamento e de Diversidade & Inclusão da Shell, Karina Franken, é proporcionar a troca de informações e de experiências.
A empresa petrolífera trabalha acima da cota de contratação de PCDs estabelecida por lei para o seu porte, de 4% dos funcionários. “A prioridade agora é aprimorar o recrutamento e o desenvolvimento de planos de carreira”, diz Karina. A ideia, afirma a executiva, é excluir qualquer possível barreira no ambiente de trabalho.
“Em alguns casos, a maior dificuldade na contratação é a qualificação profissional. Infelizmente, alguns têm pouca ou nenhuma experiência, devido a um distanciamento do mercado de trabalho”, afirma a gerente. “Mas, nesses casos, não desclassificamos os candidatos: eles são contratados com potencial para desenvolver”, afirma. A empresa faz um levantamento interno anual sobre o índice de satisfação em relação a inclusão e diversidade. No mais recente, o grau de satisfação foi de 73%.
Fonte: Diário do Comércio, Indústria e Serviços, por Arielle Sanci, 03.12.2014;
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