Pelo menos dez liminares foram concedidas nas últimas semanas para suspender julgamentos no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Os pedidos foram feitos por contribuintes que questionam a imparcialidade dos representantes da Fazenda com a instituição pela Receita Federal do programa de bonificação a auditores fiscais e analistas tributários.
No total, 19 contribuintes foram ao Judiciário – alguns com mais de um pedido. Oito liminares foram negadas e três ainda estão em análise. Foram suspensos, com base na Medida Provisória nº 765, de 2016, que criou o programa de bonificação, julgamentos de turma e da Câmara Superior – última instância do tribunal administrativo.
A BM&FBovespa conseguiu liminares para as duas esferas. Na decisão que impediu julgamento na 1ª Turma da Câmara Superior, o juiz federal substituto da 15ª Vara Federal do Distrito Federal, Eduardo Ribeiro de Oliveira, afirma que a bonificação poderá incentivar um aumento no número de lançamentos de multas tributárias, assim como a manutenção dessas multas nas instâncias administrativas julgadoras.
Em outra decisão, favorável à Refinadora Catarinense, o juiz federal substituto da 3ª Vara Federal do Distrito Federal, Bruno Anderson Santos da Silva, afirma que a Medida Provisória nº 765 acabou por, indiretamente, vincular a própria atividade arrecadatória estatal ao sistema remuneratório dos agentes fiscalizadores, criando “uma indesejável situação de impedimento dos Conselheiros auditores que atuam no Carf”.
Com a liminar, foi suspenso julgamento na 1ª Turma da 4ª Câmara da 1ª Seção. Para o juiz, esses auditores não vão mais decidir os processos com a distância necessária esperada, pois teriam interesse econômico pessoal, institucional e direto no resultado dos julgamentos.
Porém, para o juiz federal substituto da 21ª Vara Federal do Distrito Federal, Rolando Valcir Spanholo, que negou pedido da SAP Brasil, impedir julgamentos administrativos deveria ser uma medida excepcional, sob pena de quebra do princípio da separação dos poderes. Para ele, a prática estenderia a “pecha de nulidade” a todas as análises realizadas pelo Carf desde a publicação da MP 765.
De acordo com ele, prejudicaria a Fazenda Nacional e também os contribuintes que tiveram julgamentos favoráveis no período. “Sem falar no descrédito que passaria a macular todas as decisões proferidas pelo Carf”, afirma o magistrado na decisão.
Apesar de negar a liminar, o juiz reconheceu a “celeuma” criada com a instituição do bônus aos auditores fiscais. Diante de decisões divergentes, solicitou a instauração de um incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR) para pacificar o entendimento. O pedido de julgamento será analisado pela Corte Especial do Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região.
Para o juiz, a discussão já teve sua repercussão geral reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por arrastamento – ou seja, por ser semelhante ao Tema nº 934. O caso envolve Rondônia e trata da constitucionalidade da vinculação de receita arrecadada com multas tributárias para o pagamento de adicional de produtividade fiscal. O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil ainda não decidiu se irá questionar diretamente o bônus dos auditores fiscais federais no STF.
A gratificação foi questionada por advogados no Carf logo que os julgamentos começaram, após o recesso, em janeiro. Eles chegaram a pedir a suspensão dos julgamentos. O órgão negou o pedido e editou uma portaria que passou a limitar a possibilidade de impedimento dos conselheiros da Fazenda.
A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) já foi intimada para se manifestar em oito liminares concedidas a contribuintes. O órgão tem recorrido e acredita que o assunto será resolvido no TRF da 1ª Região. “Para a Fazenda, o bônus não gera impedimento”, afirma o procurador-chefe da Coordenadoria do Contencioso Administrativo Tributário (Cocat), Moisés de Sousa Carvalho Pereira.
Os contribuintes, porém, têm receio de que o bônus possa comprometer a imparcialidade dos julgadores, segundo o presidente da Comissão de Direito Tributário do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Breno de Paula. Com a suspensão dos julgamentos, a exigência dos créditos tributários também é suspensa. “O Tesouro Nacional acaba sendo prejudicado”, afirma o advogado.
Procurado pelo Valor, o Carf informou que presta as informações requeridas pelo Judiciário, cabendo à PGFN fazer a defesa judicial.
Fonte: Valor Econômico- 20/2/2017-