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Justiça recruta religiosos e agentes de trânsito para reduzir número de ações

O padre Luiz Augusto Silva e o juiz Paulo César das Neves em inauguração do projeto “Mediar é Divino” em Goiás

Com mais de cem milhões de processos em andamento e sem estrutura suficiente para dar conta do estoque, o Judiciário brasileiro decidiu buscar a ajuda de religiosos. Padres, pastores e líderes espíritas estão sendo convidados pelos tribunais para atuar como mediadores. A ideia é que eles auxiliem na solução de conflitos entre as pessoas que frequentam templos e igrejas – evitando que problemas domésticos se transformem em ações judiciais.

Esse é um dos exemplos das dezenas de iniciativas desenvolvidas no país para dar força aos métodos alternativos de solução de conflitos. Há projetos para tratar desde problemas familiares (e, inclusive, com oficinas de divórcio para pais e filhos) até o superendividamento. Existem tribunais ainda que têm capacitado agentes de trânsito para que as técnicas de mediação e conciliação sejam aplicadas já no momento das ocorrências.

O projeto que capacita líderes religiosos tem o sugestivo nome “Mediar é Divino”. Foi idealizado pelo Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO) e atualmente está sendo seguido pelo Distrito Federal e o Rio de Janeiro. Ao Judiciário cabe oferecer o curso de formação de mediadores e conciliadores – chancelado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) – e, depois, quando já estiver em prática, homologar os acordos.

Católico praticante, o coordenador do Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (Nupemec) do TJ-GO, juiz Paulo César das Neves, teve a ideia de aproximar o Judiciário dos líderes religiosos em uma de suas idas à igreja. “Eles têm um atendimento social muito bacana, até com departamento jurídico para prestar orientações. Pensei que poderíamos ser bons parceiros”, diz. A proposta, acrescenta, é agregar conhecimento técnico a algo que os religiosos já fazem.

Três turmas de mediadores religiosos foram formadas e a capital do Estado, Goiânia, é a primeira cidade do país a contar com espaços para a mediação em igrejas. A Paróquia Sagrada Família – que reúne mais de 2,5 mil fiéis nas missas de domingo – foi a pioneira. Abriu as portas em maio e em menos de seis meses já havia realizado 60 atendimentos. Do total, 15 procedimentos estão concluídos, sendo 12 deles com acordo entre as partes. São conflitos, principalmente, envolvendo familiares ou pessoas próximas.

Uma outra paróquia, a Santa Teresinha, na região metropolitana, começou a oferecer o mesmo serviço pouco tempo depois. O padre Luiz Augusto Ferreira da Silva, durante a inauguração do espaço, tratou o projeto como definitivo e disse esperar que o trabalho se multiplique. “Vai melhorar muito mais a vida de nossas famílias.” O espaço conta com três mediadores.

Há ainda outros dois espaços de mediação em Goiânia. Um deles foi inaugurado há poucos dias no Santuário do Bethel. É o primeiro em parceria com o segmento evangélico. O outro, em um centro espírita, está em fase final de implantação.

São espaços sem a necessidade de uma estrutura complexa. A juíza Luciana Sorrentino, coordenadora do Nupemec do TJ-DF, diz que “basta uma sala em que se tenha privacidade, uma mesa, cadeiras e um computador”. O tribunal – que também desenvolve projeto para tratar de conflitos familiares – deu início ao curso de formação de mediadores e conciliadores religiosos neste mês.

“Estamos tratando desses conflitos de forma pré-processual. Não há pagamento de custas, demora ou qualquer dificuldade. E, para o Judiciário, é um processo a menos”, frisa o juiz Paulo César das Neves, do TJ-GO. “Se pensarmos que o Brasil tem 200 milhões de habitantes e cada ação tem duas partes, é como dizer que praticamente todo o país está litigando.”

Este ano, o Justiça em Números, elaborado pelo CNJ, incluiu, pela primeira vez, os índices de processos resolvidos por meio de acordos. O relatório mostra que 11% das ações do país foram solucionadas em 2015 nas audiências de mediação e conciliação – 2,9 milhões de processos. A Justiça que mais conciliou foi a trabalhista (25% do total ou cerca de um milhão de ações), seguida pela Justiça Estadual (com 9%).

Coordenador do setor de conciliação na segunda instância do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), o desembargador Tasso Duarte de Melo entende que quando as partes conseguem elas mesmas chegar a uma solução, o problema deixa efetivamente de existir na sociedade. “É diferente da sentença. Ela acaba com o processo, não com o conflito entre as partes.”

Dados do TJ-SP mostram que quando os acordos são fechados na fase pré-processual, os índices de consenso são mais altos do que quando já há um litígio instaurado. Na área de família, 83% dos conflitos pré-processuais tiveram acordo fechado, enquanto que entre os processuais o índice foi de 60%. Já na área cível, os índices foram de 65% e 35%, respectivamente. “A mediação pré-processual preserva as relações porque partiu delas [partes envolvidas] o acordo”, diz o coordenador do Nupemec do TJ-SP, desembargador José Roberto Neves Amorim.

Em Aracaju (SE), o Judiciário tem apostado na redução dos litígios relacionados a brigas de trânsito. Todos os 260 agentes passaram por um curso de formação de mediadores e conciliadores e, hoje, colocam em prática o que aprenderam nas ocorrências que são chamados a atender.

Um aplicativo de celular foi desenvolvido para o projeto. Se as partes chegarem a um acordo um termo é preenchido e enviado diretamente para o sistema do tribunal. O aplicativo permite que sejam anexadas fotografias dos documentos dos condutores e dos veículos e também da cena do acidente. É possível ainda colher a assinatura dos envolvidos.

Já no Rio Grande do Sul, uma das estratégias desenvolvidas acabou sendo disseminada a vários outros tribunais. Trata do atendimento especial aos superendividados. As pessoas podem solicitar as audiências de conciliação com os seus credores. Basta preencher um formulário com os seus dados, informar quem são os credores, renda familiar e despesas – para que possa ser feito o cálculo de quanto, de fato, ela pode pagar.

Especialistas acreditam que se esteja trilhando um caminho para o futuro do Judiciário. Hoje não existe uma norma que obrigue as pessoas a buscar um acordo na fase pré-processual. Por outro lado, tem se considerado um avanço no meio jurídico o fato de o novo Código de Processo Civil (CPC), em vigor desde março, prever as audiências de conciliação e mediação já na primeira fase do processo. Os casos podem ser encaminhados pelo juiz, antes de ele fazer a análise, tanto aos Centros Judiciários de Solução de Conflitos (Cejuscs) como para câmaras privadas com cadastro nos tribunais.

Fonte: Valor Econômico- 8/11/2016-

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