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Justiça afasta cobrança de diferenças de aposentadoria

Advogado Thiago Napoli: “Trata-se de um benefício de caráter alimentar e que foi recebido de boa-fé pela aposentada”

As contas da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) contrária à chamada “desaposentação” estão chegando às mãos de aposentados. Uma moradora de Londrina (PR), que havia obtido o recálculo de seu benefício, recebeu recentemente um aviso de cobrança do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) de R$ 224,2 mil. E teve que ir à Justiça e obter liminar para não ter valores descontados mensalmente – o órgão sinalizou a retenção de até 30% dos vencimentos.

No julgamento realizado em 2016, os ministros do STF entenderam que não há, por ora, previsão legal para a desaposentação – o recálculo do benefício de aposentados que continuam a trabalhar e contribuir para a Previdência Social. A decisão, contrária ao entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), frustrou as expectativas dos 182 mil aposentados que foram à Justiça e evitou impacto anual de R$ 7,7 bilhões aos cofres públicos, segundo a Advocacia-Geral da União (AGU). Pelos cálculos da Previdência Social, alcançaria R$ 181,8 bilhões em 30 anos.

O assunto foi julgado em dois recursos (RE 381367 e RE 827833) e um processo com repercussão geral (RE 661256). A questão, porém, ainda não foi finalizada. Falta analisar embargos de declaração, apresentados em outubro de 2017 pela Confederação Brasileira de Aposentados e Pensionistas (Cobap). Entre os pedidos, a entidade quer impedir a restituição dos valores recebidos.

Mesmo com a pendência, a Procuradoria-Geral Federal (PGF), órgão da Advocacia-Geral da União, tem requerido na Justiça a reversão das decisões que garantiram o recálculo de aposentadorias e a cobrança do que foi pago a mais pelo INSS. No caso da aposentada de Londrina, a cobrança chegou em abril, depois do Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região reformar sentença obtida em 2012. Porém, segundo a defesa, sem autorizar a cobrança. O prazo para pagamento era o dia 7 de junho.

Nos pedidos, os procuradores do INSS argumentam que a cobrança dos valores estaria autorizada pelo STJ. Por meio de repetitivo (REsp 1.401.560/MT), os ministros da 1ª Seção definiram que seria possível a devolução de valores referentes a benefício previdenciário recebido por força de liminar (antecipação de tutela) posteriormente revogada.

Na decisão, porém, o juiz Décio José da Silva, da 3ª Vara Federal de Londrina, entendeu que, no caso, o recálculo foi garantido por meio de sentença. “Tudo indica que a impetrante acreditava de boa-fé na definitividade da decisão que lhe concedeu o benefício previdenciário via sentença, de maneira que a pretensão estatal superveniente de cobrar o que foi pago viola gravemente a expectativa depositada na legalidade e legitimidade no ato decisório”, diz o magistrado na liminar.

O juiz acrescenta ainda na decisão (processo nº 5005714-20. 2018.4.04.7001) que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal “está consolidada no sentido de que o benefício previdenciário recebido de boa-fé, ainda que em razão de antecipação de tutela posteriormente revogada, não admite repetição”.

De acordo com o advogado da aposentada, Thiago Napoli, do escritório Balera, Berbel e Mitne Advogados, antes de ir à Justiça, tentou-se afastar a cobrança por meio de recurso administrativo, o que não foi aceito. “A desaposentação, no caso, foi deferida por meio de sentença. O pedido de antecipação de tutela havia sido negado. Além disso, trata-se de um benefício de caráter alimentar e que foi recebido de boa-fé pela aposentada, não cabendo devolução”, diz.

Porém, em outro caso, de um aposentado de Salvador, a PGF conseguiu garantir a cobrança, em decisão da Turma Recursal do Juizado Especial Federal da Seção Judiciária da Bahia. O aposentado obteve o recálculo do benefício, por meio de tutela antecipada, em janeiro de 2014.

Na decisão, os julgadores destacam que a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais, em sessão realizada em agosto de 2017, adequando-se ao entendimento do STJ, revogou a Súmula 51. O texto dizia que “os valores recebidos por força de antecipação dos efeitos de tutela, posteriormente revogada em demanda previdenciária, são irrepetíveis em razão da natureza alimentar e da boa-fé no seu recebimento”.

Nos Tribunais Regionais Federais, há decisões para os dois lados – em maioria para os aposentados, segundo advogados. Em recente acórdão (processo nº 0043381-22.2012.4.01.3800), a 2ª Turma do TRF da 1ª Região afastou a cobrança. Em seu voto, o relator, desembargador João Luiz de Sousa, afirma que a jurisprudência do colegiado, alinhado com a orientação da Corte Suprema, “tem entendimento de que eventuais valores pagos em virtude de decisão antecipatória da tutela são irrepetíveis, considerando-se a hipossuficiência do segurado, o fato de ter recebido de boa-fé o seu benefício por decisão judicial fundamentada, bem assim a natureza alimentar da referida prestação”.

No TRF da 3ª Região, porém, a 7ª Turma decidiu recentemente a favor da devolução em pelo menos cinco casos (entre eles apelação cível nº 0038366-69.2017.4.03.9999).

“Aplico o entendimento consagrado pelo C. STJ no recurso repetitivo representativo de controvérsia e reconheço a repetibilidade dos valores recebidos pela parte autora por força de tutela de urgência concedida, a ser vindicada nestes próprios autos, após regular liquidação”, diz o desembargador Carlos Delgado, relator dos casos.

Para o advogado André Luis Domingues Torres, do Crivelli Advogados Associados, o INSS não poderia, neste momento, solicitar o ressarcimento de valores de quem obteve judicialmente o recálculo da aposentadoria. “O INSS está se adiantando. Ainda há embargos de declaração para serem julgados pelos ministros. Portanto, quem for cobrado, deve buscar a Justiça”, afirma.

Por nota, a AGU informa que a Portaria Conjunta PGF/INSS nº 02, de 16 de janeiro, permite a cobrança de valores recebidos em tutela antecipada nos próprios autos – no caso de desconstituição de decisão com trânsito em julgado, por meio de ação rescisória. E acrescenta que “o INSS não faz e não pode fazer [cobrança] de ofício”.

Fonte: Valor Econômico- 16/7/2018-

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