Dúvida é se processo tributário, que tem lei especial, deve seguir nova regra apenas com a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil
A notícia sobre a inclusão da fiança bancária e do seguro fiança entre as garantias equivalentes a dinheiro nos processos judiciais, feita no projeto do novo Código de Processo Civil, que aguarda para ser sancionado, animou as empresas pelo alívio nas contas bancárias – que agora não precisam necessariamente ser bloqueadas em caso de dívidas cobradas na Justiça.
No entanto, o alvo da maior preocupação em relação às penhoras parece não ter sido resolvido: as execuções fiscais. Para alguns especialistas, o novo Código tem aplicação imediata inclusive para processos de cobranças tributárias. Para outros, porém, a inovação não substitui o que prescreve a Lei de Execuções Fiscais (Lei 6.830/1980), que não admite as novas formas de garantia, nem a jurisprudência atual a respeito, o que, na prática, mantém a insegurança jurídica sobre a aceitação da fiança e do seguro como substitutos do depósito judicial.
O advogado Ulisses Cesar Martins de Sousa, do escritório Ulisses Sousa Advogados Associados, resume o impasse: “Embora não faça muito sentido admitir interpretação que afaste a incidência dessa nova regra nas execuções fiscais, certamente não faltarão aqueles que irão defender que a regra prevista no novo CPC não se aplica às execuções fiscais, por serem regidas por lei específica.”
Para substituir a penhora o projeto equiparou dinheiro à fiança bancária e ao seguro garantia judicial, desde que cada garantia seja apresentada em valor não inferior ao débito discutido na ação, acrescido de 30% dessa quantia, como explica o advogado processualista Fábio de Possídio Egashira, do escritório Trigueiro Fontes Advogados. Com isso, segundo ele, dinheiro, fiança bancária e seguro garantia passam a ter o mesmo status. “Mas o projeto não suprimiu a penhora de dinheiro, que continuará sendo realizada por meio eletrônico”, lembra.
No entanto, para o advogado, no caso das execuções fiscais, existe a barreira da jurisprudência, que não tem admitido a equiparação da fiança bancária ao dinheiro por causa da não previsão na Lei de Execuções Fiscais, lei especial que rege a cobrança de débitos fiscais pelo Estado. Ele lembra que o CPC pode ser utilizado nesses casos, mas de forma subsidiária, nos pontos em que a Lei de Execução é omissa ou não é clara.
“A substituição da penhora de bem, em sede de Execução Fiscal, independentemente da anuência do credor, é admitida quando realizada por depósito em dinheiro ou carta de fiança bancária, conforme determina o inciso I do artigo 15 da Lei nº 6.830/1980. Porém, a jurisprudência tem inadmitido a substituição da penhora em dinheiro por carta de fiança porque aquela confere maior liquidez ao processo executivo e o dinheiro é o primeiro bem na ordem de preferência do artigo 11 da referida lei. Em outras palavras, para a Lei de Execução Fiscal, dinheiro e fiança bancária não possuem o mesmo status, sendo esse o posicionamento da jurisprudência dominante”, diz.
“A Lei de Execução Fiscal conviverá bem com o novo CPC, mas a nova orientação do projeto apenas será capaz de afastar a jurisprudência que se consolidou se houver uma alteração da legislação especial no tocante a esse particular, equiparando o dinheiro à fiança bancária, até pelo princípio de que a execução deve prosseguir do modo menos gravoso ao devedor”, completa.
Leonardo Sant’Anna Ribeiro, advogado tributarista do Marcelo Tostes Advogados, também reconhece que a Lei de Execuções Fiscais ainda estabelece a prevalência do depósito em dinheiro em detrimento de outras modalidades de garantia, regra que, historicamente, é aplicada sem qualquer exceção ou atenção a dispositivos contidos no CPC. Porém, segundo ele, o novo Código introduziu elemento que reforça o conceito de constrição menos onerosa ao devedor, que deve ser estendido às cobranças tributárias, devido à aplicação subsidiária do CPC aos demais casos.
“A regra deve ser entendida como uma inovação, que segue uma tendência já evidenciada pelas alterações trazidas pela Lei 13.043/2014, que também colocou o depósito em dinheiro, a fiança bancária e seguro garantia no mesmo patamar, para fins de penhora. Ao que tudo indica, a penhora online passará a ser admitida como constrição de caráter excepcional, quando não forem encontrados outros bens passíveis de penhora ou estes forem insuficientes à garantia do juízo”, afirma.
Professor de Direito Processual da Universidade de São Paulo e membro da comissão que redigiu o anteprojeto do novo Código, o advogado Paulo Henrique dos Santos Lucon, do escritório Lucon Advogados, é taxativo: “O Novo Código de Processo Civil é a maior lei civil do país, maior porque tem aplicação direta ou subsidiária em todos os processos civis e não penais. Tem, portanto, aplicação nos processos regidos pela Lei de Execução Fiscal”, garante.
Por isso, para ele, o fato de a lei especial não prever as novas modalidades não atrapalha seu uso. “Se de um lado a Execução deve realizar-se no interesse do credor, deve também ser feita do modo menos oneroso possível em relação ao devedor. A linha de equilíbrio desses dois princípios (efetividade da execução e menor onerosidade) está, também e não só, na aceitação do conceito de penhora, que é apenas um ato de afetação patrimonial destinado a garantir a satisfação do credor da execução civil. Portanto, seguro fiança ou fiança bancária é modalidade de garantia que deve ser aceita no lugar da penhora online na Execução Fiscal, em razão do ato de agressão patrimonial tremendo que esta representa. É claro que o magistrado deve sempre se certificar da qualidade do seguro ou da fiança ofertada.”
Tiago Asfor Rocha, sócio do escritório Rocha Marinho e Sales Advogados, não tem dúvidas de que o novo Código mudará a dinâmica das penhoras inclusive nas Execuções Fiscais. “O novo CPC, no parágrafo único do artigo 846, permitiu a substituição da penhora online (dinheiro) por fiança bancária ou seguro garantia judicial, desde que essa nova garantia seja superior em 30% ao valor do débito principal. Referida regra também deve ser aplicada no âmbito das Execuções Fiscais, pois o novo CPC se trata de norma mais atual e que, nesse ponto, não conflita com a Lei de Execuções Fiscais. Ademais, as execuções devem se processar pelo meio menos gravoso ao devedor, conforme o artigo 803 do novo CPC”, afirma.
Fonte- Estadão- 14/1/2015-
http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/fianca-bancaria-no-novo-codigo-civil-divide-especialistas-sobre-aplicacao-nas-execucoes-fiscais/