Diante de um erro na redação do novo Código de Processo Civil (CPC), os juristas não estão conseguindo chegar a um consenso sobre o dia em que o manual entrará em vigor: 16, 17 e 18 de março.
Apesar de parecer que a diferença é sutil, especialistas apontam que as consequências podem ser grandes para todos os processos que tiverem prazos para recurso expirando perto desta data.
Um exemplo diz respeito aos chamados embargos infringentes – um recurso cabível quando a decisão do tribunal reverte a sentença, mas sem unanimidade de votos – conta o sócio do Souto Correa, Guilherme Amaral.
Ele explica que no novo CPC esses embargos deixam de existir. Então, se a parte entende que o novo código já estava vigente e deixa de entrar com os embargos, mais a tarde a Justiça pode considerar que o código antigo ainda era válido e que na verdade a parte apenas perdeu o prazo. “Nesse caso a decisão poderia transitar em julgado. A dúvida pode resultar na supressão de direitos”, diz ele.
O conselheiro da Associação dos Advogados de São Paulo (AASP), Ricardo de Carvalho Aprigliano, também professor de processo civil, tem uma visão parecida. “Se houver mil audiências acontecendo no Brasil nesse dia, isso pode gerar mil incidentes mais para frente, que vão se multiplicando. Essa indefinição vai gerar um efeito colateral muito grande”, afirma.
Para evitar esse problema, Aprigliano entende que uma das soluções seria fazer um projeto de lei para alterar o trecho defeituoso do novo CPC. “É o caminho mais correto e trabalhoso. Mas o projeto precisaria passar pelas duas casas do Legislativo e ser publicado antes do dia 16 de março.”
Uma medida provisória, por parte do Executivo, seria outra saída, entende Amaral. Apesar de a Constituição proibir o uso de medida provisória para tratar de matéria processual (artigo 62), ele afirma que esse não seria o caso. “Nesse caso a MP não trataria de matéria processual, mas só do período de vacância da lei”, aponta ele.
Se não houver apoio dos outros dois poderes, o Judiciário poderia ainda tentar suspender os prazos processuais nos dias de dúvida. Essa é a medida defendida pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
“A OAB vai requerer ao CNJ [Conselho Nacional de Justiça] a suspensão dos prazos processuais nos dias que dão ensejo à polêmica, como medida preventiva para evitar milhares de recursos ou decisões que possam vir a ser anuladas”, afirmou, em nota ao DCI, o presidente da OAB, Marcus Vinicius Furtado Coêlho.
Também na visão dele, se não for resolvida a tempo, a dúvida “pode gerar a multiplicação de recursos judiciais”.
Defeito
O diretor de assuntos legislativos do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP), Mário Luiz Delgado, conta que o erro do legislador no novo CPC foi ter descumprido a Lei Complementar 95/1998, que trata da elaboração de leis. Ele acredita que não foi observada a regra de que o prazo para a vigência deve ser fixado em dias.
No caso, o artigo 1.045 da Lei 13.105/2015 (o novo CPC), determinou, de forma equivocada, que o “código entra em vigor após decorrido 1 (um) ano da data de sua publicação oficial”. Segundo Delgado, o problema nasce nesse ponto porque há algumas formas de fazer a contagem de um ano.
A primeira delas é considerar que um ano significa 365 dias, aponta Delgado. Incluindo na conta o dia 17 de março, quando foi publicada a lei do novo CPC, e considerando que 2016 é um ano bissexto, a contagem acabaria no dia 15 de março. “A Lei Complementar 95 aponta que a vigência começa no primeiro dia subsequente, no caso o dia 16 de março”, explica ele, que defende essa linha de pensamento.
A segunda teoria leva em conta a Lei 810/1949, que define o conceito de “ano civil”. Pela lei, completa-se um ano na mesma data do ano seguinte. Nesse caso, um ano após 17 de março de 2015 seria também 17 de março de 2016, explica Amaral. Por isso, na visão dele, essa seria a data de começo da vigência do CPC.
A terceira corrente mistura as duas primeiras. Seria o caso, explica Amaral, de considerar que se completa um ano na mesma data do ano seguinte, portanto em 17 de março (conforme a Lei 810/1949), mas que a vigência começa só no dia subsequente (Lei Complementar 95/1998). Isso resultaria no dia 18 de março.
Na visão de Amaral, o problema é que esse raciocínio aplica a Lei Complementar 95/1998 num contexto de contagem de prazo em anos, sendo que a lei considera a contagem em dias. “Entendo que não é aplicável”, afirma ele.
Lição
Delgado lembra que um problema quase igual aconteceu com o Código Civil, de 2002. Também na ocasião, o legislador ignorou as regras da Lei Complementar 95/1998 e fixou o prazo em um ano. Com isso, não se sabia se a data certa era 11 ou 12 de janeiro. Como não havia ano bissexto, a divergência se resumiu aos dois dias.
Delgado conta que a discussão sobre o Código Civil ficou apenas no meio acadêmico e não teve efeitos práticos. De modo geral, considerou-se que a vigência começava no dia 11, seguindo a mesma lógica dos que hoje defendem que a data correta para o novo CPC é o dia 16 de março. “Na época não se cogitou nem projeto de lei nem recesso. Não me parece que essas situações seriam justificáveis. Se há dúvida na interpretação da lei, quem vai resolver isso é o Judiciário.”
Fonte- DCI- 20/1/2016- http://52.22.34.177/noticias/erro-no-novo-cpc-levanta-discussao-sobre-data-em-que-comeca-a-vigencia-175/