O uso de ágio por aquisição ou incorporação de empresa está mais restrito e poderá gerar um aumento no número de autuações pela Receita Federal. A explicação está em uma solução de consulta da Coordenadoria de Tributação (Cosit) do órgão, publicada no início do mês.
Esta é a primeira manifestação formal da Receita Federal sobre o tema, cujos valores envolvidos chegam muitas vezes a ser bilionários. Por ter um caráter vinculante, a norma servirá de orientação para funcionários do órgão em todo país.
A discussão sobre o tema envolve grandes companhias que questionam, no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) ou na Justiça, autos de infração aplicados pelo Fisco.
O ágio consiste em um montante pago, geralmente, pela rentabilidade futura de uma empresa adquirida ou incorporada. Ao ser registrado como despesa no balanço da companhia e amortizado, em cinco anos consecutivos, reduz o valor a pagar do Imposto de Renda (IR) e da Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL).
A Solução de Consulta nº 3, dentre outros pontos, prevê que apenas os valores efetivamente recebidos pela companhia entrariam como custo de aquisição. O aspecto preocupante, segundo advogados, está no ítem 40 da solução de consulta.
O dispositivo diz que “os valores depositados na conta caução, apesar de essa ter sido aberta em nome dos vendedores, ainda não podem ser considerados como custo de aquisição, pois esses valores se destinam a cobrir as garantias impostas pelo comprador, e só estarão à disposição dos vendedores na forma e nos prazos estipulados em contrato”.
Segundo especialistas, muitas companhias colocaram como custo de aquisição o valor total da compra, incluindo quantias depositadas em conta garantia (a chamada escrow account). A liberação do montante fica condicionada ao cumprimento de condições previstas em contrato, como potenciais passivos tributários e trabalhistas do vendedor ou da empresa envolvida na operação societária. Com base nesse entendimento, a Receita já autuou alguns contribuintes mesmo antes da existência da solução de consulta.
O advogado Eduardo Suessmann, da Área de Controvérsias Fiscais de Trench, Rossi e Watanabe Advogados, afirma que alguns de seus clientes já foram autuados mesmo antes da solução de consulta e que a fiscalização deve aumentar a partir de agora. De acordo com ele, o entendimento da Receita diminui o custo da aquisição e, consequentemente, os valores que podem ser abatidos de ágio no Imposto de Renda e na CSLL.
Para Pedro Moreira, do CM Advogados, a solução de consulta é equivocada ao desconsiderar do custo de aquisição os valores depositados pelo investidor em escrow account, “uma vez que efetivamente serão destinados ao pagamento do vendedor ou para quitar passivos anteriores do negócio, cuja responsabilidade coube ao vendedor, correspondendo então em contribuição ao vendedor”.
Atualmente, predomina no Carf a discussão geral sobre a legitimidade ou não da compensação do ágio. Segundo Moreira, o Fisco muitas vezes não permite essa compensação por entender que houve simulação da operação e que a companhia não teria direito ao abatimento. Contudo, com essa solução de consulta, na opinião do advogado, poderá ocorrer mais autuações nos casos em que o Fisco admite a operação mas questiona os valores declarados.
Para o advogado, o entendimento da solução de consulta não contribui para a pacificação do tema. Ao contrário, gera mais confusão de interpretações. De acordo com Moreira, a questão ainda deverá ser amplamente discutida no Carf e no Judiciário.
Outro ponto que tem chamado atenção trata do fundamento econômico do ágio. Segundo a solução de consulta, este “não é de livre escolha do comprador, devendo estar enquadrado nas hipóteses previstas na legislação aplicável, e justificado em demonstrativo a ser arquivado junto à escrituração contábil”.
Segundo o tributarista Sérgio Rocha Andrade, do Andrade Advogados Associados, a Receita Federal se manifestou em relação ao período anterior a 31de dezembro de 2014, quando foi revogado o Regime Tributário de Transição, e pela primeira vez diz que não é o contribuinte que deve identificar o fundamento da transação, o que vinha sendo feito naquele período.
Nesse caso, o contribuinte, a princípio, vinha entendendo que tinha a liberdade de optar pelo valor de mercado de ativos ou rentabilidade futura ou por outra identificação. De acordo com o advogado Diego Aubin Miguita, do escritório Vaz, Barreto, Shingaki e Oioli Advogados, com o entendimento formal da Receita surge o risco de novas autuações.
Fonte- Valor Econômico- 29/2/2016- http://www.seteco.com.br/midia/list.asp?id=14377