Setenta e um anos depois que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) fundou os alicerces da legislação trabalhista no país, as relações entre empregados e empregadores se preparam para uma nova era. Falta apenas a formalidade das assinaturas em uma portaria interministerial para a entrada em operação do eSocial. Trata-se do sistema digital que unifica a remessa de todas as informações dos trabalhadores para os órgãos federais – da contratação à demissão, passando por promoções, férias, transferências, e licenças médicas, além das contribuições ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e as comprovações dos recolhimentos à Previdência Social indispensáveis para a aposentadoria.
A transmissão será por meio eletrônico, evitando papelada. O eSocial dispensa a multiplicidade de envio de informações ao INSS, aos ministérios do Trabalho e da Previdência e à Receita Federal.
A nova plataforma consolida o tripé do Sistema Público de Escrituração Digital (Sped), formado na parte contábil pela nota fiscal eletrônica e, na tributária, pela escrituração fiscal digital da contribuição (EFD-Contribuições) para o Programa de Integração Social (PIS), o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep), o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e a Contribuição Previdenciária sobre o Faturamento.
Como as outras duas inovações, que já estão em operação, é considerado estratégico e possivelmente será implantado entre abril e janeiro do ano que vem, como prevê o cronograma.
“O objetivo principal do eSocial é assegurar os direitos dos trabalhadores. O sistema também vai facilitar a comunicação entre o governo e as empresas, com a padronização e a simplificação dos formulários, e ainda melhorar a qualidade da informação, indispensável ao planejamento da administração pública”, diz Daniel Belmiro, coordenador do sistema de Fiscalização da Receita Federal, que integrou o Comitê Gestor do eSocial com os ministérios do Trabalho e da Previdência Social e a Caixa Econômica Federal.
“O eSocial não vai mudar sistemas, mas a cultura dentro das empresas”, afirma Luciana Ferrante, responsável pela área trabalhista da Mazars, auditoria e consultoria com atuação em 71 países. “O eSocial quebra o jeitinho brasileiro nas relações trabalhistas, mas é um grande desafio principalmente para as 8 milhões de micro e pequenas empresas, que entregam a gestão de RH a escritórios contábeis”, diz Gilberto Luiz do Amaral, presidente do Conselho Superior do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT).
“O ideal seria que as empresas tivessem um prazo maior para a implementação. O eSocial terá impacto cultural nas empresas e exigirá a revisão dos processos de governança (compliance)”, afirma Oziel Estevão, diretor adjunto do departamento jurídico da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), que representa o maior parque industrial do país.
“Vai dar trabalho às empresas, mas representará uma grande vitória trabalhista porque permitirá uma fiscalização mais sistemática dos empregadores e um acompanhamento até estatístico da vida profissional dos empregados”, diz Quintino Severo, secretário de administração e finanças da Central Única dos Trabalhadores (CUT), que representa 24 milhões de trabalhadores.
Serão eles os maiores beneficiários da nova plataforma. Cerca de 2,5 milhões de empregados não conseguem benefícios previdenciários por falta de informações dos empregadores. A perversidade é maior quando um deles descobre que depois de 35 anos de trabalho com carteira assinada não pode se aposentar porque uma das empresas não recolheu a contribuição à Previdência.
Há expectativa de benefício também para os cofres públicos. Embora não acarrete aumento tributário, o eSocial deve provocar um incremento na arrecadação. A expectativa inicial é de pelo menos mais R$ 20 bilhões no primeiro ano com a diminuição dos erros nas folhas de pagamento.
Uma fiscalização da Receita Federal em 1% das empresas brasileiras constatou que elas deixaram de recolher R$ 4 bilhões, em 2012, por divergências de dados.
A redução do mercado de trabalho informal, um dos reflexos esperados com a plataforma, deve provocar impacto positivo também na arrecadação do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), o segundo maior fundo privado do mundo com patrimônio de R$ 350 bilhões. “A dificuldade das empresas em repassar informações ao governo, porque hoje os dados precisam ser encaminhados em processos diferentes para os vários ministérios e órgãos públicos, dificulta até os investimentos feitos pelo FGTS”, afirma Henrique José Santana, gerente nacional do FGTS da Caixa Econômica Federal.
Há expectativa também de queda nas fraudes à Previdência. Só com as operações desbaratadas em 2012, elas chegaram a R$ 85 bilhões. “O sistema fecha as portas à fraude”, afirma José Alberto Maia, auditor-fiscal e coordenador do Grupo de Trabalho do eSocial no Ministério do Trabalho e Emprego.
A previsão é que o programa gere mais cem milhões de eventos por mês – 70 milhões de contracheques e 30 milhões de informações não periódicas como demissões e licenças médicas. O processamento será feito pelo Serpro. A autarquia, que já movimenta dez milhões de notas fiscais eletrônicas diariamente, terá um acréscimo diário de quase 3,5 milhões de dados do eSocial, mas parece preparada para a missão.
Haverá reforço de estrutura para suportar a demanda de serviço, com a alocação de servidores virtuais e mais investimentos em recursos tecnológicos e na área de produção, mas não se fala em novo concurso para a contratação de pessoal, nem no volume de recursos necessários ao trabalho. “Já temos a estrutura que faz todo o Imposto de Renda e processa as notas fiscais eletrônicas. O eSocial é mais um desafio para o nosso processo, que já é bastante complexo”, diz Roberto Plá, gerente do programa de unificação de crédito do Serpro.
A plataforma até agora foi testada em 48 empresas que participam do projeto-piloto. A seleção inclui a metalúrgica Gerdau e o Grupo Votorantim. Um estudo do IBPT constatou que o eSocial vai elevar em 10% o custo de consultoria especializada na área jurídica e contábil e provocará um impacto adicional de elevação de 7% nos gastos com os sistemas de informação, parametrização e acompanhamento, além do treinamento de funcionários.
Dez documentos enviados mensal ou anualmente pelas empresas, como Caged, Rais, Dirf e Gfip, serão substituídos por um único envio, diretamente para o eSocial. Mas a burocracia, que hoje é feita depois da contratação do empregado, com a nova plataforma terá que ser feita antes. As empresas terão que ter um planejamento ao qual não estão acostumadas. “O que fizemos foi dividir para facilitar o envio cada vez que o evento ocorre. A empresa não tem que ficar juntando para mandar um único arquivo”, diz Daniel Belmiro, da Receita Federal. “O registro do trabalhador vai para o eSocial e não para o livro de registro do empregador. A comunicação de acidente de trabalho será feito eletronicamente e não mais em papel. O que se está criando é um novo um modelo de comunicação do Estado com o empregador”, afirma José Alberto Maia, do Ministério do Trabalho e Emprego.
Fonte- Valor Econômico – 31/01/2014; https://www1.fazenda.gov.br/resenhaeletronica/MostraMateria.asp?page=&cod=945529