Uma empresa seguradora conseguiu afastar, na Justiça, a cobrança de PIS e Cofins sobre receitas obtidas com aplicações financeiras. A decisão é da 14ª Vara Cível Federal de São Paulo. A juíza do caso, Tatiana Pattaro Pereira, entendeu que as contribuições só poderiam incidir sobre a atividade principal exercida pela companhia – da qual as aplicações não fazem parte. Ela determinou ainda a compensação dos valores que foram pagos de forma indevida nos últimos cinco anos.
Esta é a primeira vez que se tem notícia no mercado de uma sentença com base na Lei nº 12.973, em vigor desde o ano passado. Condição que, para especialistas, faz reabrir as discussões em torno das receitas decorrentes da reserva técnica – uma espécie de fundo garantidor exigido das empresas do setor. A jurisprudência anterior à lei era favorável às contribuições sobre os resultados desses montantes.
Com a nova lei ficou mais claro o conceito de receita bruta (base de cálculo de PIS e Cofins para as empresas). Ela alterou a redação do artigo 12 do Decreto-Lei nº 15.598. Às seguradoras interessa o inciso 4º de tal dispositivo. Nele consta que somente “as receitas da atividade ou objeto principal da pessoa jurídica” estão compreendidos pelo conceito de receita bruta.
Ao analisar o caso, a juíza Tatiana Pattaro Pereira disse que a seguradora “tem como objeto social a exploração das operações de seguro de pessoas e de danos”. Destacou que a reserva técnica decorre de uma exigência legal para a preservação da liquidez e solvência das companhias e que os eventuais acréscimos patrimoniais resultantes das aplicações desses montantes não se caracterizam como atividade principal da empresa.
“Poderia ter o legislador optado por um conceito de receita bruta mais amplo, mas preferiu restringi-lo às receitas da atividade principal”, afirmou na sentença. “Desta forma, as receitas financeiras auferidas pela impetrante [seguradora] não deverão compor a base de cálculo da Cofins e do PIS independentemente de sua origem”, disse a magistrada.
Representante da seguradora no caso, o advogado Marcelo Annunziata, do Demarest, diz que a discussão sobre a incidência das contribuições nas atividades das seguradoras passou por várias etapas nos últimos anos e parou no Supremo Tribunal Federal (STF). Uma das principais fases da discussão envolve a Lei nº 9.718, de 1998, que estabeleceu o faturamento como base de cálculo – que correspondia à receita bruta da pessoa jurídica.
O artigo 3º da lei estabelecia que por receita bruta se entendia a totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica, sendo irrelevantes o tipo de atividade por ela exercida e a classificação contábil adotada para as receitas. Todas as receitas das empresas seriam tributadas. Em um julgamento em 2005, porém, o STF entendeu ser indevida a cobrança nesses moldes e declarou inconstitucional o artigo 3º.
“O problema é que os ministros não definiram o que seria faturamento para as seguradoras e por isso há discussões nesse sentido até hoje”, afirma Annunziata. Ele cita um outro julgamento, pendente desde 2003, que abordaria a questão das seguradoras. O caso envolve a Axa Seguradora e tem apenas o voto do ministro Cezar Peluso (aposentado), favorável à União.
Especialistas na área, Luca Salvoni e Rafael Vega, do Cascione, Pulino, Boulos & Santos, chamam a atenção que prevalece entendimento majoritário em favor do Fisco nos casos julgados antes da Lei nº 12.973. As reservas técnicas, afirmam, eram compreendidas até então como operações integradas ao negócio. Os advogados entendem, porém, que esse posicionamento foi construído, ao longo dos anos, pela jurisprudência e não numa lei tão específica como a que está em vigor desde 2015.
“É possível que seja o recomeço de uma discussão toda. Porque o judiciário vai ter que decidir com base nessa nova lei”, diz Salvoni.
O advogado Felipe Renault, sócio do Salusse Marangoni Advogados, destaca que há processo sobre o tema também no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que abrange os Estados do sul do país. A discussão, no entanto, é sobre a constitucionalidade do conceito de receita bruta trazido pela Lei nº 12.973, de 2014. Trata-se de uma arguição de inconstitucionalidade distribuída em dezembro do ano passado e ainda sem julgamento definitivo.
A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) não se manifestou até o fechamento da reportagem.
Fonte: Valor Econômico- 30/8/2016-