Home > CARF > Contribuintes afastam na Justiça o voto de desempate do Carf

Contribuintes afastam na Justiça o voto de desempate do Carf

Advogada Ana Paula Lui: “O conselheiro só poderia ser chamado a votar se não tivesse participado da votação”

Pelo menos cem processos discutem no Judiciário o voto de qualidade do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) – desempate de julgamento por um representante da Fazenda. Há, por ora, dez decisões vigentes favoráveis a empresas. Duas liminares foram concedidas recentemente, dando fôlego à discussão travada com a Receita Federal.

O balanço é da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), que colocou o tema sob acompanhamento especial. No total de cem ações, pode haver casos ainda sem julgamento.

O voto de qualidade é comum em processos de valor elevado ou que envolvem teses complexas. Em 2018, a 2ª Turma da 4ª Câmara da 2ª Seção manteve, por meio do instrumento, uma autuação fiscal de R$ 9 bilhões aplicada ao Santander em decorrência da compra do Banco ABN Amro. Também foi por meio de desempate que a Câmara Superior manteve uma cobrança bilionária da BM&FBovespa em 2017.

Como os presidentes das turmas julgadoras são sempre representantes do Fisco, advogados alegam que a medida beneficia a Receita Federal, além de contrariar o Código Tributário Nacional (CTN) e a Constituição. Por meio desse argumento, a Delta Airlines obteve recentemente liminar na 13ª Vara Federal do Distrito Federal (processo nº 1001136-39.2017.4.01.3400).

O caso envolve três multas por registro fora do prazo de dados de embarque de cargas destinadas à exportação, relativos a três voos, segundo a Receita. A 1ª Turma da 2ª Câmara da 3ª Seção do Carf havia cancelado a cobrança de R$ 15 mil em 2012. A Fazenda recorreu e, no desempate, em 2016, a 3ª Turma da Câmara Superior manteve a autuação.

No processo, a Delta Airlines alega que o julgamento desrespeitou princípios constitucionais, uma vez que o presidente da Câmara votou duas vezes, alterando “substancialmente” o resultado. A empresa faz um paralelo com o direito penal e cita o “in dubio pro contribuinte”, que seria previsto no artigo 112 do Código Tributário Nacional. O dispositivo indica que, em caso de dúvida, caberia a adoção da decisão mais favorável ao contribuinte.

Na liminar, a juíza Edna Márcia Silva Medeiros Ramos considera que “nem de longe” o voto de qualidade pode significar o poder de o presidente votar duas vezes. “Aceitar tal entendimento, significa, na prática, que quase todas as questões polêmicas, que gerem entendimentos divergentes, sejam decididas unicamente pelo presidente”, afirma.

A decisão suspende a exigência do crédito tributário até manifestação no mérito ou nova sessão de julgamento do processo, sem a possibilidade de voto duplo do presidente da sessão.

Com base em argumentos semelhantes, a American Airlines obteve liminar para suspender o andamento de processo administrativo até o julgamento final do mandado de segurança (nº 1009633-76.2016. 4.01.3400). A decisão do juiz federal substituto da 20ª Vara Federal do Distrito Federal, Renato Borelli, foi contrária ao voto de qualidade da 3ª Turma da Câmara Superior.

Para o juiz, casos de empate na votação revelam dúvida sobre o direito aplicável. Entende que o voto de qualidade para fins de desempate não pode ser desfavorável ao contribuinte. Borelli cita o artigo 112 do CTN e a movimentação de instituições contra a prática – como a Ordem dos Advogados (OAB), que levou a questão para o Supremo Tribunal Federal (STF).

Há decisões esporádicas reconhecendo a inaplicabilidade do voto de qualidade, segundo o advogado das empresas, Lucas Siqueira dos Santos, do escritório Bernardi & Schnapp Advogados. “Houve empate, isso indica que houve dúvida”, diz.

Na segunda instância, porém, já há precedentes a favor da União. A PGFN lista decisões do Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região (nº 0005472-98.2016.4030.000), do TRF da 4ª Região (nº 5073051-59.2014.4.04. 7100) e do TRF da 5ª Região (nº 0809162-14.2017.4.05.0000) que aprovam o mecanismo.

“O voto de qualidade no Carf é legítimo. Decorre da natureza do processo administrativo fiscal”, afirma Moisés de Sousa Carvalho, coordenador da atuação da PGFN no Carf. Segundo o procurador, o voto de qualidade sempre existiu, mas não havia essa controvérsia.

De acordo com o coordenador, o empate não significa dúvida e, nesse caso, as autuações devem ser mantidas pela presunção de legalidade. Em caso de derrota no Carf, apenas o contribuinte pode recorrer ao Judiciário.

Segundo a advogada Ana Paula Lui, do escritório Mattos Filho, apesar dos precedentes contrários, a tese sobre o voto de qualidade não perdeu força, como mostram as liminares. “Se há dúvida, não cabe ao contribuinte provar que não deve ser penalizado. Cabe ao Fisco demonstrar que o contribuinte não recolheu imposto”, afirma. Para ela, “o conselheiro só poderia ser chamado a votar se não tivesse participado da votação”.

Ainda é cedo para se falar em jurisprudência, segundo o advogado Fabio Calcini, do Brasil Salomão e Matthes Advocacia. “Os contribuintes estão se mobilizando para questionar o tema, mas ainda é pulverizado.”

Em nota, o Carf afirma que não há estudos para mudar o formato adotado “há quase um século”. As companhias aéreas não retornaram até o fechamento da edição.

Fonte: Valor Econômico- 3/4/2018-

Contribuintes afastam na Justiça o voto de desempate do Carf

You may also like
Em liminar, Fux reconhece legitimidade do voto de qualidade no Carf
Carf anula autuação baseada em provas de outro processo
Judiciário obriga Carf a acelerar julgamentos
Carf anula decisão cuja fundamentação se limitava a citar processo anterior