A transferência, para a Justiça Federal, da competência para o julgamento de causas previdenciárias decorrentes de acidentes de trabalho motiva controvérsias. A divisão de posições sobre o tema ficou clara durante audiência pública realizada nesta quarta-feira (13), pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH). O objetivo foi debater proposta de emenda constitucional que trata do assunto, a PEC 127/2015.
Representantes do Ministério Público, da Advocacia da União e do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) defendem a medida, enquanto juízes estaduais querem preservar a jurisdição sobre essas ações, exercida pelos Tribunais Estaduais desde 1919, quando foi editada a primeira lei que tratou do assunto. Numa terceira vertente, também representada no debate, estão membros da Justiça do Trabalho, que propõem o deslocamento dessas ações para o âmbito desse ramo da Justiça.
A audiência foi sugerida pelo senador Paulo Paim (PT-RS), também presidente da CDH, que dividiu a direção dos trabalhos com a colega Regina Souza (PT-PI). Defensor da mudança da competência para a Justiça do Trabalho, Paim explicou que a PEC 127/2015 já estava na pauta de votações do Plenário. Porém, nesta mesma quarta-feira, a matéria voltou à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), para que esse colegiado se manifeste sobre novas emendas ao texto, do próprio Paim e de Aloysio Nunes (PSDB-SP).
A PEC ainda transfere para a competência da Justiça Federal as causas em que sociedades de economia mista federais figurem como autoras, rés, assistentes ou oponentes, salvo as ações de falência. Esse ponto, contudo, não foi tratado na audiência.
Menos litígios
Na justificação da PEC, o autor, senador José Pimentel (PT-CE), argumentou que a Justiça Federal tem sido mais ágil no julgamento dos processos. Outros ganhos em decorrência da centralização das demandas relativas à concessão ou revisão de benefícios previdenciários junto à Justiça Federal seria a possibilidade de apresentação, em um mesmo processo, de pedido alternativo de “benefício acidentário”, além da redução de litígios provocados pelos conflitos de competência entre as duas esferas do Judiciário, o federal e o estadual.
Os mesmos argumentos foram sustentados pelos defensores da PEC, entre os quais o presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Antônio César Bochenek. Segundo ele, por conta dos conflitos de competência, os processos se arrastam por anos, muitas vezes chegando ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). Acentuou que isso gera custos desnecessários, que não se coadunam com a exiguidade dos recursos públicos.
— A Justiça Federal já é responsável pelo julgamento das demandas previdenciárias. Portanto, é lógico, coerente e sistêmico que as demandas previdenciárias acidentárias sejam também julgadas nessa esfera, evitando-se decisões contraditórias e prejuízos maiores aos segurados trabalhadores e a seus dependentes — defendeu.
Para o procurador-chefe da Procuradoria Especializada junto ao INSS, Alessandro Antônio Stefanutto, a atuação da Justiça Estadual de fato produz muitos inconvenientes, a começar pelo faro de serem decisões adotadas em 27 entes federativos, com diferentes experiências de julgamentos. Disse que o resultado é que muitas vezes não se aplica o Direito “correto” nem para o segurado nem para o INSS.
– Afinal de contas, o INSS representa nas causas também o conjunto dos trabalhadores, pois cuida do fundo do Regime Geral de Previdência, de onde saem os recursos para os benefícios. O órgão não tem interesse de pagar ou não pagar, mas de pagar o que é devido – comentou.
Capilaridade
Um das manifestações em favor da competência da Justiça Estadual da juíza Heliana Maria Coutinho Hess, da Vara de Acidentes do Trabalho do Tribunal de Justiça de São Paulo. Ela salientou, entre outros pontos, a capilaridade do sistema estadual de Justiça, permitindo maior proximidade com seguro. Aos que citaram a maior agilidade da Justiça Federal, ela respondeu os estados estão aperfeiçoando seus sistemas de Justiça, inclusive criando varas especializadas em causas acidentárias.
Também se mostrou favorável à manutenção das causas na Justiça Estadual o advogado Márcio Silva Coelho, que preside a Comissão de Estudos sobre Acidente do Trabalho da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Segundo ele, o crescente desemprego vai criar mais demandas para a Previdência e o seguro social, pressionando as varas federais com grande massa de processos. O mais prudente seria manter o acesso ao seguro previdenciário por acidente o mais perto possível do cidadão.
— Toda cidadezinha tem prefeitura, cemitério e fórum. O segurado estará mais bem atendido se contar com essa porta de acesso a seu lado — afirmou.
Causas sociais
O juiz Luiz Antônio Colussi, que falou pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), no grupo dos que defenderam a atribuição das causas à Justiça do Trabalho, chegou a dizer que todos os direitos sociais deveriam ser apreciados no âmbito desse ramo do Judiciário.
O procurador-chefe do Ministério Público do Trabalho da 10ª Região, Alessandro Santos de Miranda, considerou uma “anomalia” manter as ações no âmbito da Justiça Estadual. Na origem, informou, cabia ao empregador oferecer o seguro para o empregado em caso de acidente, o que configurava um processo civil na Justiça Estadual. Lembrou, contudo, que desde 1969 esse tipo de seguro passou a ser de responsabilidade estatal. Por isso, disse que o sistema processual precisa ser atualizado.
— A PEC em análise já representa um avanço, mas a magistratura trabalhista é, sem dúvida, mais propícia e sensível a temas que têm como pano de fundo as relações de trabalho — argumentou.
Informatização
O advogado Noa Piatã Basssfeld Gnata, do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário, avaliou como positivo fato de que, na Justiça Federal, pode ser assegurada a proteção a todos os benefícios previdenciários em um único processo, por exemplo. Destacou que a Justiça Federal está se ampliando pelo país e que, mais informatizada, está preparada para absorver a nova carga de ações. Alertou, contudo, para a importância de se manter a previsão da delegação de competência das causas para a Justiça Estadual, de modo a se atender localidades ainda sem presença da Justiça Federal.
O procurador federal Renato Rodrigues Vieira reforçou a posição em favor da atribuição de competência à Justiça Federal, que entender estar capacitada a entregar ao segurado assistência mais “rápida e segura” nessas causas. Como exemplo, citou que, há dois anos, segundo o relatório do Conselho Nacional de Justiça, os Juizados Especiais Federais julgaram 72% do estoque de processos. A Justiça Estadual, por sua vez, julgou apenas 11% do estoque de processos de competência federal que lhe cabia julgar, por consequência de delegação.
13/4/2016