As empresas sofreram ontem um primeiro revés na tentativa de levar ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) tese que poderia resultar em decisões favoráveis ao uso de ágio para reduzir a carga tributária – tema que os contribuintes têm perdido sistematicamente no tribunal.
O novo argumento defende a aplicação do artigo 24 da Lei nº 13.655, que alterou a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Lindb) neste ano, ao processo administrativo fiscal. Pela tese, o Carf teria que seguir a jurisprudência da época em que a empresa realizou a operação e foi autuada. Como a 1ª Turma da Câmara Superior do Carf negou o pedido, o conselho continuará a julgar com base na jurisprudência atual.
O primeiro caso julgado ontem foi da Mineração Esperança (10600.720035/2014-67). O ponto central do processo é a amortização de ágio em operação que teve uso de empresa veículo e os reflexos nos tributos de 2011 e 2012. No mérito, a autuação foi mantida pelo voto de qualidade em julgamento realizado em maio de 2017. Por isso, o novo argumento foi apresentado pelos advogados do contribuinte com base na Lindb. O Carf também julgou e negou ontem pedido semelhante do Banco Santander e da Lajeado Energia.
Conforme a tese, os advogados alegam que o artigo 24 da lei 13.655, que trata da revisão do ato administrativo na Lei de introdução às Normas do Direito, permite a revisão do ato de lançamento levando em consideração as orientações gerais da época – jurisprudência judicial ou administrativa. Assim, com a aplicação do artigo no caso concreto, a decisão deveria considerar a jurisprudência do Carf na época dos fatos e não a atual.
Na análise do pedido da Mineração Esperança, o conselheiro Gerson Macedo Guerra, representante dos contribuintes, ponderou que o dispositivo não se aplicaria ao caso concreto, pois não ficou comprovado que a jurisprudência administrativa da época era favorável à empresa. Foram apresentadas sete decisões de quatro turmas diferentes. Apesar do voto no caso concreto, Guerra considera que o artigo é aplicável ao processo administrativo tributário.
O conselheiro Luís Flávio Neto, representante dos contribuintes, que havia pedido vista na sessão de agosto, concordou com o conselheiro. Segundo ele, Carf tem o ônus de verificar se, no momento em que o contribuinte agiu ele estava influenciado por uma jurisprudência consolidada desse tribunal.
Para Flávio Neto, é muito sério o tribunal simplesmente dizer que o dispositivo não é aplicável, pois pode dar margem a não aplicar outros da Lei nº 13.655.
Já o conselheiro Demetrius Nichele Macei, representante dos contribuintes entendeu que a norma é uma “mordaça” por determinar como os órgãos de revisão devem interpretar um ato, seja ele particular ou não. Para ele, o artigo deve ser aplicado, mas não a fatos passados, só para lançamentos feitos a partir da publicação da lei. Por essa razão, também votou contra a aplicação da tese ao caso.
Já os representantes da Fazenda votaram contra a tese. O conselheiro André Mendes de Moura afirmou que o dispositivo trata da revisão quanto à validade do ato e por isso não se aplicaria às atividades do Carf. O conselheiro Flávio Franco Correa destacou que, segundo os próprios autores da lei, ela se aplica só a atos administrativos.
Na análise do presidente em exercício, Rafael Vidal de Araújo, conselheiro representante da Fazenda, o artigo se refere a atos administrativos e não se aplicaria a julgamentos do Carf.
Por maioria, portanto, os conselheiros decidiram não utilizar o artigo 24 ao caso concreto. Somente o conselheiro Luís Flávio foi voto vencido.
Quanto à tese, os conselheiros representantes dos contribuintes ficaram vencidos. Dois votaram pela aplicação do artigo 24 ao processo administrativo fiscal e dois pela aplicação somente a casos novos.
“Essa questão não vai se encerrar com a decisão da Câmara Superior”, afirma o advogado João Marcos Colussi, sócio da área tributária do escritório Mattos Filho. O advogado acredita que o tema chegará ao Judiciário, assim como outros procedimentos do Carf já foram questionados, como o voto de qualidade ou a paridade na composição das turmas nos julgamentos. De acordo com Colussi, é papel dos advogados levar ao Judiciário caso de descumprimento de lei.
No caso do Santander, como o pedido de aplicação da nova tese foi negado, foi reformada decisão que anteriormente havia derrubado autuação que cobra R$ 242,5 milhões de IRPJ e CSLL do banco. O valor, histórico, inclui multa e juros e está indicado no processo. A autuação (processo 16327.721125/2014-38) refere-se ao intervalo entre 2009 e 2012 e tem origem na operação de aquisição do Banco Sudameris pelo ABN Amro em 2003. Posteriormente, a instituição financeira foi incorporada pelo Santander. O banco informou que após publicação da decisão avaliará a apresentação de embargos ou recurso judicial.
Fonte: Valor Econômico- 12/9/2018-