Pela primeira vez, a Câmara Superior do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) decidiu que as empresas não podem acumular valores referentes a juros sobre capital próprio (JCP) – uma forma de remuneração a sócios em substituição aos dividendos – para abater posteriormente os valores do Imposto de Renda e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). A decisão contraria precedentes do Superior Tribunal de Justiça (STJ) favoráveis aos contribuintes.
As companhias que distribuem o JCP podem deduzir da base de cálculo do IRPJ e da CSLL os valores. É comum, porém, empresas adiarem a distribuição em algum período em que apuraram o lucro, especialmente se precisam de recursos para novos investimentos. Nesses casos, o Fisco considera irregular o uso do valor acumulado para reduzir os tributos a pagar.
A tese em discussão é considerada uma das mais importantes por advogados que atuam em processos no Conselho. Os valores em disputa não são, necessariamente, elevados, mas o tema é relevante porque há muitos processos que discutem a matéria, segundo o procurador-chefe da Coordenadoria do Contencioso Administrativa Tributária da PGFN (Cocat), Moisés de Sousa Carvalho Pereira.
O STJ julgou o assunto em 2009. Ao analisar um mandado de segurança, a 1ª Turma decidiu que havia direito ao reconhecimento da dedução dos juros sobre capital próprio transferidos aos acionistas da companhia para a apuração da base de cálculo do IRPJ e da CSLL no ano-calendário de 2002, relativo aos anos-calendários de 1997 a 2000. A decisão do tribunal afirma que a legislação não impõe que a dedução do JCP deva ser feita no mesmo exercício-financeiro em que for realizado o lucro da empresa.
Esse, contudo, não foi o entendimento da Câmara Superior do Carf ao julgar a questão. O presidente do órgão e da Câmara Superior, Carlos Alberto Freitas Barreto, afirmou que o Conselho não está vinculado ao STJ.
A câmara analisou em conjunto autuações do Itaú, Alcoa Alumínio e IBM. A do Itaú remete ao intervalo entre abril e dezembro de 2007, quando o banco distribuiu R$ 194 milhões a seus acionistas. A instituição financeira foi autuada porque o Fisco considerou que havia um “excesso de dedutibilidade” de JCP de R$ 110 milhões, pois o banco teria incluído valores desde o ano 2002. No Carf, a 1ª Turma da 2ª Câmara havia mantido a autuação.
A mesma turma também manteve uma autuação semelhante da IBM. O Fisco considerou que JCP lançados no valor de R$ 230 milhões em 2009 se referiam a períodos de apuração anteriores, especificamente às posições do patrimônio líquido nos anos de 2000 a 2003.
Já a Alcoa Alumínio havia obtido decisão favorável na 2ª Turma da 2ª Câmara. Para a turma, pela falta de restrição temporal e da discricionariedade das sociedades em remunerar os JCP aos acionistas, os juros não precisam ser obrigatoriamente pagos ou creditados ao fim de cada período, o que permite o pagamento em um momento futuro. A empresa havia creditado um total de R$ 277,4 milhões de JCP em 2007. Segundo a fiscalização, haveria um excesso de R$ 108 milhões, por inclusão de montante referente ao período entre 2000 e 2006.
Ao analisar as autuações, o Carf definiu que as empresas podem fazer a dedução do JCP no próprio exercício, mas não devem acumular valores referentes a JCP ao longo dos anos para as deduções. O assunto dividiu o conselho e foi decidido pelo voto de desempate do presidente.
O relator, conselheiro Rafael Vidal de Araújo, representante da Fazenda, afirmou que o JCP são juros e, como tais, são considerados despesas. Entram nas regras de despesas e a companhia não tem direito de deduzir do lucro líquido despesas de exercícios anteriores. “Despesas de JCP têm que estar correlacionadas com a receita do período em que se deu a utilização do capital dos sócios, ou seja, no período em que ele esteve investido na sociedade”, afirmou. Já o conselheiro Luís Flávio Neto, representante dos contribuintes, divergiu. Para ele, a restrição contraria a lei.
Segundo o advogado Fabio Calcini, do Brasil Salomão Advogados, antes da reformulação do Carf os julgamentos eram pela admissão do acúmulo de outros exercícios. Ele afirma que o novo regimento pode ter influenciado a mudança. “Antigamente, a Câmara Superior era formada por presidentes e vices de turmas, que já conheciam os enfrentamentos do tema”, diz. O advogado diz que não existe previsão legal de que a faculdade de pagar juros sobre capital próprio se extingue no ano calendário.
Fábio Alexandre Lunardini, do Peixoto & Cury Advogados, afirma que apesar da decisão desfavorável, os contribuintes têm a possibilidade de recorrer à Justiça, onde o precedente é favorável.
Sobre a decisão do Carf, o Itaú Unibanco informou que tem a “plena convicção” da legitimidade de suas práticas e irá recorrer ao Judiciário. Alcoa e IBM não comentam processos em andamento.
Fonte: Valor Econômico- 22/1/2016-
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