Advogado Maurício Faro: provas emprestadas só podem ser consideradas como indícios nos processos
O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) cancelou auto de infração de uma trading que foi exclusivamente fundamentado em provas emprestadas de outro processo. A decisão é da 1ª Turma da 3ª Câmara da 3ª Seção. Não cabe mais recurso no caso.
O auto de infração inclui multa e pena de perdimento de mercadorias fabricadas e importadas da China. A Receita Federal entendeu que teria ocorrido ocultação do real adquirente dos produtos, que seria a Gradiente – incluída como responsável solidária na autuação.
Como prova da ocorrência da fraude, a fiscalização anexou provas coletadas em outro processo administrativo fiscal, que envolve a Gradiente e uma outra trading.
Ao analisar o caso (processo nº 12466.001851/201061), a maioria dos conselheiros entendeu que “a medida extrema de perdimento dos bens somente se mostra cabível quando demonstrada cabalmente as fraudes por artifícios dolosos e documentação emitida com falsidade ideológica imputadas ao contribuinte”.
De acordo com a decisão, “é ônus da fiscalização munir o lançamento com todos os elementos de prova dos fatos constituintes do direito da Fazenda. Na ausência de provas, o lançamento tributário deve ser cancelado”.
O relator, conselheiro Antonio Carlos da Costa Cavalcanti Filho, foi voto vencido. Ele entendeu que caberia a aplicação de prova emprestada e que há previsão legal para a pena de perdimento e a multa.
Prevaleceu o voto da conselheira Semíramis de Oliveira Duro, que abriu a divergência e foi acompanhada pela maioria. Segundo ela, a jurisprudência do Carf atrela a simulação à devida comprovação dos fatos. “No que tange às infrações tributárias, o dolo e a culpa não podem ser presumidos, devem sim ser provados”, disse em seu voto.
Não se discute no caso, acrescentou, a possibilidade ou não do uso de prova emprestada, o que tem sido admitido. “No caso em tela, entendo que os motivos e os elementos trazidos pela fiscalização são insuficientes para a formação de convicção acerca da ocorrência da interposição fraudulenta, conforme posto na acusação fiscal, ou seja, diante do que foi posto pela acusação, ainda persiste a dúvida quanto à ocorrência da infração”, afirmou.
Para a conselheira, não é plausível e lícito concluir que o modus operandi adotado pelas autuadas era idêntico àquele constatado no processo n° 12466.002687/200976, modificando apenas o importador, sob pena “de se autuar com base em presunção, ao arrepio da lei”. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) apresentou recurso, que não foi admitido pelo Carf.
Segundo o advogado que assessorou a trading no processo, Maurício Faro, do BMA Advogados, apesar de ser possível a utilização de provas emprestadas, só podem ser consideradas como indícios nos processos. “Não posso lavrar um auto de infração somente fundamentado em provas emprestadas de outro processo”, afirma.
O advogado Diego Miguita, do Vaz Buranello Shingaki & Oioli Advogados, diz que a discussão tem sido recorrente, sobretudo nos autos de infração decorrentes de operações da Polícia Federal, que utilizam provas que vieram de processos penais. Nesses casos, acrescenta, o que se questiona é a legalidade dessas provas, se havia autorização judicial para obtê-las.
“O caso da trading da Gradiente é um pouco diferente. Houve o uso de provas de outro processo administrativo. Mas não se pode presumir que ocorreu a mesma operação considerada fraudulenta”, afirma o advogado.
Essa decisão, de acordo com Miguita, deve servir de fundamentação para o escritório em alguns dos cerca de 25 processos no Carf que tratam da Operação Dilúvio – realizada em 2006 para investigar o setor de exportação de café. Em vários casos, há prova criminal emprestada para tratar da tributação de operações consideradas fraudulentas para obtenção de créditos de PIS e Cofins.
Com a instituição do regime não cumulativo do PIS e da Cofins de 2003, explica, algumas empresas que exportavam cafés compravam de pessoas físicas para obter esses créditos e depois passaram a operar com pessoas jurídicas em uma operação considerada de fachada. “Só que alguns grandes players do mercado não mudaram seu comportamento com relação ao fornecedor, não respondem processo criminal e mesmo assim sofreram autuações, com base em provas emprestadas de outras empresas”, diz. Esses casos, porém, ainda não foram analisados no Carf.
O Conselho, porém, já analisou outros casos que tratam da Operação Dilúvio e em pelo menos dois processos cancelou autos de infração cujas as provas emprestadas foram consideradas ilícitas (processos nº 10480.721430/201128 e nº 10074.001146/200917).
Para Miguita, o julgamento favorável à trading “pode acabar influenciando positivamente os nossos processos”. A maior dificuldade, nesses casos, é convencer os conselheiros que são diferentes. Ao analisarem esses processos decorrentes de operações, às vezes eles já têm opinião formada sobre o tema.
Vinícius Vicentin Caccavali, também do Vaz Buranello Shingaki & Oioli Advogados, afirma que o artigo 372 do Código de Processo Civil (CPC) admite o uso de prova emprestada. “Mas é preciso respeitar o devido processo legal e o direito ao contraditório”, diz.
Procurada pelo Valor, a Gradiente não deu retorno até o fechamento da edição.
Fonte: Valor Econômico- 20/3/2019-