Grandes companhias abertas como Gerdau, Natura e Grupo Pão de Açúcar começaram a reverter, já no balanço primeiro trimestre, as provisões ligadas à disputa sobre exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins. O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu a favor das empresas em março, mas ainda não definiu a partir de quando o entendimento vale.
Conforme levantamento feito pelo Valor entre as empresas que já divulgaram seus resultados, a siderúrgica Gerdau fez a maior reversão, no total de R$ 1,3 bilhão incluindo juros, seguida pela fabricante de cosméticos Natura, com R$ 301 milhões, e pela calçadista Alpargatas, com R$ 198 milhões. O varejista GPA tirou do passivo outros R$ 117 milhões e a fabricante de cerâmicas Portobello, R$ 23 milhões. Apenas esses cinco casos somam um efeito de quase R$ 2 bilhões para as contas do governo.
A Gerdau disse ao Valor ainda que, desde a decisão, “deixou de provisionar o valor referente a esses tributos no seu balanço”.
A norma contábil exige a constituição de provisão para contingências quando a empresa e seus assessores jurídicos julgam que é provável que ela tenha que desembolsar caixa para resolver o contencioso. Em tese, uma decisão de mérito do Supremo seria suficiente para dar segurança às companhias estornarem esses valores apartados.
Mas assim que o STF publicar o acórdão do julgamento, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) deve pedir, além de possíveis embargos, que o STF module os efeitos da decisão, citando o impacto fiscal da medida nas contas do governo, que pode superar dezenas de bilhões de reais. A presidente do STF, Carmen Lúcia, sinalizou que o pedido será analisado.
Ao modular o efeito de um julgamento, o STF determina a partir de que momento aquela decisão se aplica. Entre as opções estão, por exemplo: desde sempre, sem marco inicial; a partir da data do julgamento com repercussão geral, março de 2017; ou apenas de 2018 em diante, como desejaria a PGFN – sendo esta última a opção mais inusitada, já que seria uma inconstitucionalidade pré-datada.
Caso o STF opte por uma solução intermediária, como aplicar o efeito apenas a partir da data do julgamento, essas provisões revertidas agora teriam que ser constituídas novamente.
Em nota explicativa do balanço do primeiro trimestre, a Gerdau chama a atenção dos acionistas para esse risco, ao mesmo tempo em que destaca que possui depósitos judiciais no valor de R$ 1,6 bilhão que ainda estão reservados para o caso. Natura, GPA Alpargatas e Portobello não mencionam o risco de modulação no balanço. Ao Valor, a Natura afirmou que “reavalia continuamente” a situação de suas contingências passivas.
No caso de o Supremo entender que a decisão deve ter efeito retroativo, advogados entendem que é possível que não se aplique para todas as empresas, mas somente para aquelas com ação judicial – o prazo de aproveitamento se iniciaria, então, cinco anos antes do ajuizamento de cada ação.
Outra solução possível é considerar que os efeitos se iniciem não em 2017, quando foi dada a repercussão geral, mas em 2014, quando houve a primeira decisão do STF a favor dos contribuintes nessa disputa em um caso específico.
Para a advogada do CSMV Advogados e professora da FGV Direito, Vanessa Canado, talvez seja excesso de conservadorismo manter a chance de perda da causa como provável – o que exige a provisão -, diante da decisão do STF favorável aos contribuintes e da existência de precedentes do Supremo de não ter adotado modulação em casos semelhantes.
Ela reconhece, contudo, que o STF pode se mostrar sensível diante da conjuntura econômica e da situação atual das contas públicas. “É um caso típico para se classificar a chance de perda como possível”, afirma. Pela regra contábil, esse tratamento de perda “possível” exige divulgação do caso e do valor envolvido em nota explicativa, mas não a constituição da provisão. “É importante que o risco seja apresentado com transparência ao investidor”, diz Vanessa.
O advogado Breno Ferreira Martins Vasconcelos, do escritório MSV Advogados, diz que tem orientado seus clientes a aguardar antes de reverter provisões. “Enquanto o STF não definir como vai modular, é o mesmo que não haver decisão”, afirma, com a ressalva de que algumas empresas podem ter situações específicas.
Vasconcelos justifica a posição porque o STF já decidiu de todas as maneiras possíveis quando tratou de modulação. Já não modulou nada, como nos casos da exclusão do ICMS na base de cálculo de Cofins-Importação, do Finsocial e do Funrural; optou por saídas intermediárias, como quando julgou restituição de ICMS pago a maior em substituição tributária; e até mesmo já diferiu a aplicação do entendimento para seis meses após a publicação do acórdão, no processo envolvendo ICMS de combustíveis.
Conforme uma fonte ouvida pelo Valor sob condição de anonimato, além de uma confiança de que o caso está decidido, a opção das empresas em reverter as provisões também pode ser uma forma de pressão sobre o STF.
Logo após o Supremo tomar a decisão de março, com repercussão geral – ou seja, valeria para todas as companhias -, a postura majoritária entre os advogados tributaristas era de mais cautela. Eles diziam que as empresas deveriam esperar uma possível modulação antes de reverter provisões, e ser ainda mais conservadoras para reconhecer créditos tributários sobre tributos pagos a mais no passado – já que a contabilidade é mais rigorosa para admitir registro de ativos decorrentes de contingências do que para permitir o estorno de provisões.
A Alpargatas, por exemplo, disse em nota explicativa que, além da reversão já feita, estima em mais R$ 300 milhões os créditos tributários que conseguirá recuperar. Mas ainda não registrou esses valores como ativo no balanço. O GPA também indica que espera ter um benefício econômico maior, dizendo que “continua em processo de avaliação dos créditos relacionados ao período coberto por suas ações judiciais”.
A Gerdau disse que analisará possíveis créditos anteriores a 2009 (data em que começou a recolher o tributo em juízo) após o encerramento do processo no STF.
Fonte- Valor Econômico- 10/5/2017- http://www.seteco.com.br/base-menor-de-pis-e-cofins-ja-produz-efeito-valor-economico/