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Barroso mantém dispositivo da reforma trabalhista; Fux pede vista

Dispositivo questionado pela PGR altera regras de gratuidade da Justiça.

O ministro Luís Roberto Barroso votou, nesta quinta-feira, 10, por manter dispositivo da reforma trabalhista que modificou regras da gratuidade da Justiça. O texto foi questionado pela PGR na ADIn 5.766, da qual o ministro é relator.

O julgamento teve início na sessão de quarta, quando foram feitas as sustentações orais, e retomado nesta quinta. Entre os dispositivos questionados pela procuradoria-Geral está o que autoriza o uso de créditos trabalhistas obtidos pelo demandante beneficiário de Justiça gratuita, ainda que em outro processo, para pagar honorários periciais e de sucumbência. É questionada também a constitucionalidade do pagamento de custas processuais pelo reclamante beneficiário da gratuidade em caso de ausência injustificada à audiência.

Para o ministro, as novas regras visam a diminuir a litigiosidade excessiva. O ministro votou por apenas dar interpretação conforme a CF para fixar parâmetros sobre as novas regras.

Concluído o voto, o ministro Fux anunciou que pediria vista.

Edson Fachin, então, indicou que apresentaria voto divergente, e, a fim de que a posição fosse também objeto da análise da vista, antecipou sua posição nesta quinta, entendendo pela total inconstitucionalidade dos dispositivos impugnados.

Veja os detalhes dos votos de cada ministro.

Voto do relator

O ministro Barroso iniciou seu voto destacando que na vida, as pessoas avaliam os fenômenos de acordo com seus pontos de observação, de acordo com suas pré-compreensões. Ao tratar da questão em julgamento, no entanto, afirmou que “é preciso desideologizar determinados debates e identificar onde está verdadeiramente o interesse público”.

“Essa é uma das questões mais interessantes e complexas que a Suprema Corte tem discutido desde que cheguei aqui.”

O relator destacou algumas premissas que iria utilizar em seu voto, como a de que é papel do estado contribuir para a redução da desigualdade e para o enfrentamento da pobreza. Assim, disse que levaria em consideração, em seu voto, a melhor locação dos recursos sociais. Ele também apontou que “proteção fora da justa medida desprotege”. “Quem foca, por vezes, no proveito individual de uma pessoa, não é capaz de atentar para o efeito sistêmico negativo que o excesso de protecionismo muitas vezes acarreta.”

Ele falou, por exemplo, sobre a lei de locações, da década de 70 que vigorou no brasil e era altamente protetiva, e criava todo tipo de embaraço.

“Ninguém aqui está do lado dos mais ricos ou do lado da injustiça. Todo mundo aqui está querendo produzir a solução que seja capaz de melhor distribuir a Justiça e de trazer melhores resultados para a sociedade e para o país.”

Em seu voto, o ministro também citou dados de ações trabalhistas, de acordo com o Justiça em Números, do CNJ. Em 2015, por exemplo, a Justiça do Trabalho finalizou o exercício com 5 milhões de processos em tramitação, sendo que 4 milhões foram ajuizados naquele ano. “Essa litigiosidade excessiva das relações de trabalho prejudica o mercado de trabalho, prejudica os trabalhadores e prejudica os empreendedores corretos e honestos.”

Ele observou que o sistema de litígios trabalhista dava todo incentivo para demandar, e nenhum ônus para conter o demandismo. Portanto, “criar algum tipo de ônus, modesto como seja, para desincentivar a litigiosidade fútil me parece uma providência legítima para o legislador.”

Posteriormente, afirmou que há, em um litígio, os custos não só individuais, mas sociais, e que apenas 11% do custo da Justiça é recuperado com taxas e emolumentos.
“Quem paga a fatia mais larga desse custo não são os litigantes, é a sociedade.” E seguiu com os dados: em 2016, o Brasil gastou com o sistema de Justiça, segundo o CNJ, 1,4% do PIB. Desse valor, 20% foi para a Justiça do Trabalho.

Ao tratar do dispositivo questionado, ele destacou que, referente aos honorários de perícias, a parte sucumbente, mesmo que litigante da justiça gratuita terá de pagar os honorários se – e somente se – tiver obtido créditos suficientes para arcar com esse ônus. “Não há desembolso. Ninguém tem que tirar do que já tem. Pode ter que vir a tirar daquilo que venha a eventualmente receber.

No dispositivo também questionado sobre o pagamento de honorários de sucumbência, o ministro destacou que a parte vencida, se beneficiária da justiça gratuita, não precisa pagar nada, salvo se deixar de ser hipossuficiente ou se receber créditos suficientes para pagar. “Me parece bastante razoável.”

“Eu penso que não há desproporcionalidade nesta previsão legal. (…) Qual é o seu fim visado aqui? Diminuir a litigiosidade fútil. Qual é o meio? Cria-se um ônus para quem litiga e perde. Portanto, o meio é claramente adequado.”

Ainda para o ministro, a medida claramente não é excessiva, porque não interfere com o acesso à Justiça.

Mesmo nesse contexto, que o ministro considerou razoável, para ele deve ser reservada a preservação das verbas alimentares e do mínimo existencial do trabalhador. “As cobranças sucumbenciais não podem incidir sobre valores imprescindíveis à subsistência do reclamante.”

Para que isso seja garantido, Barroso interpreta conforme a Constituição os dispositivos questionados, para estabelecer dois critérios limitadores:

I) O valor destinado ao pagamento de honorários de advogado e periciais não pode exceder 30% do valor líquido dos créditos recebidos;

II) Somente será possível utilizar para tal fim os créditos que excedam o teto de benefícios pagos pelo regime geral da previdência social, que atualmente é de R$ 5.645,89.

Ele fixa os 30% aplicando critério que a legislação utiliza como máximo para pagamento de consignado.

Por fim, o ministro abordou o terceiro artigo questionado, segundo o qual na hipótese de ausência do reclamante, ele será condenado ao pagamento das custas, ainda que beneficiário da Justiça gratuita, salvo se justificar em 15 dias a ausência.

No entendimento do ministro, a regra, que “coíbe esse mecanismo que mobiliza a maquina judiciária a toa, em vão, parece perfeitamente legítimo fazer o que faz a lei”.

“Boa parte das regras aqui introduzidas se volta mesmo é contra o comportamento de maus advogados, e contra um estilo de litigância de má-fé que infelizmente não é incomum. (…) Ser a favor da redução da litigiosidade trabalhista não significa ser contrário à Justiça do Trabalho. Ao contrário, é um esforço para torna-la mais ágil e eficiente.”

O ministro julgou procedente em parte para fazer interpretação conforme a CF dos dispositivos impugnados para assentar como teses de julgamento:

1. O direito à gratuidade de Justiça pode ser regulado de forma a desincentivar a litigância abusiva, inclusive por meio da cobrança de custas e honorários a seus beneficiários;

2. A cobrança de honorários sucumbenciais poderá incidir i) sobre verbas não alimentares, a exemplos de indenizações por danos morais, em sua integralidade; ii) sobre o percentual de até 30% do valor que exceder ao teto do regime geral de previdência social quando pertinentes a verbas remuneratórias;

3. É legítima a cobrança de custas judiciais em razão da ausência do reclamante à audiência mediante sua previa intimação pessoal para que tenha a oportunidade de justificar o não comparecimento.

Voto divergente

Apresentando voto divergente, Fachin entendeu que o legislador ordinário, avaliando o âmbito de proteção do direito fundamental à gratuidade da justiça, confrontou com outros bens jurídicos relevantes.

“Entendo que há integral e completa inconstitucionalidade. (…) Não se pode deixar de ressaltar que a gratuidade da Justiça apresenta-se como um pressuposto para o exercício do direito fundamental ao acesso à própria Justiça.”

Além de citar precedentes e o que está previsto na CF, Fachin destacou que o direito do acesso á Justiça está protegido em normas internacionais, nomeadamente o art. 8º da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, o Pacto de São josé da Costa Rica, segundo o qual toda pessoa tem direito de ser “ouvida” pela Justiça.

“A desigualdade social gerada pelas dificuldades de acesso isonômico á educação, mercado de trabalho, à saúde, dentre outros direitos que têm cunho econômico, social e cultural, impõe seja reforçado o âmbito de proteção do direito, que garante outros direitos, e garante também a isonomia.”

Assim, Fachin entende que a restrição no âmbito trabalhista como fez a nova lei “pode conter em si a aniquilação do único caminho que dispõe esses cidadãos para verem garantidos seus direitos sociais trabalhistas.”

“A defesa em juízo de direitos fundamentais que não foram espontaneamente cumpridos ao longo da vigência dos respectivos contratos de trabalho em muitas situações depende da dispensa inicial e definitiva das custas do processo e despesas daí recorrentes, sob pena de não ser viável a defesa dos interesses legítimos dos trabalhadores.”

Para o ministro, a reforma, ao atualizar o modelo de gratuidade da justiça laboral, impôs condições restritivas ao exercício desse direito. “O risco de violação em cascata é iminente e real.”

Embora o dispositivo tenha como interesse assegurar maior responsabilidade e compromisso com a litigância, verifica-se a imposição de barreiras que podem tornar inacessíveis os meios de reivindicação de direitos, entendeu o ministro.

O ministro votou por julgar integralmente procedente a ADIn.

Princípios constitucionais

Concluído o voto, Lewandowski fez um aparte para afirmar que, em seu modo de ver, certos princípios constitucionais, como o da dignidade humana, os direitos e garantias da cidadania, não devem ser interpretados sob o prisma da eficiência e do utilitarismo. “A hermenêutica jurídica tem que ter uma outra interpretação, um outro viés, outro fundamento que não uma base simplesmente numerológica, ou de eficiência, ou de vantagem, ou aumento de riqueza.”

• Processo: ADIn 5.766

Fonte- Migalhas- 10/5/2018- http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI279921,51045-Barroso+mantem+dispositivo+da+reforma+trabalhista+Fux+pede+vista

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