A Lei nº 8.213, de 1991, em seus artigos 57, 58 e 59, regulamenta a aposentadoria especial, a que tem direito os segurados sujeitos a condições prejudiciais à saúde ou integridade física durante 15, 20 ou 25 anos. E prevê que o custeio desse benefício se dará pelo empregador, através do recolhimento do acréscimo de 12%, 9% ou 6% – conforme tempo de exposição às condições maléficas – à alíquota do RAT, que varia de 1% a 3%, a depender do grau de risco vinculado à atividade do contribuinte.
Segundo a norma, a concessão do benefício está vinculada à comprovação do tempo de serviço prestado em condições especiais, bem como sua efetiva exposição aos agentes nocivos. E que essa comprovação decorrerá de formulário emitido pelo empregador com base em laudo técnico de condições ambientais do trabalho, no qual deverá constar “informação sobre a existência de tecnologia de proteção coletiva ou individual que diminua a intensidade do agente agressivo a limites de tolerância e recomendação sobre a sua adoção”.
O RAT tem sido objeto de diversas discussões, travadas em duas frentes, uma vez que, de forma até contraditória, a União se esforça na negativa de concessão da aposentadoria especial — alegando justamente a não comprovação da exposição a agentes nocivos e/ou a eficácia do uso de equipamentos de proteção – ao mesmo tempo em que autua empresas exigindo adicional do RAT – agora defendendo a exposição dos segurados a situações especiais e/ou a ineficácia do uso dos equipamentos.
A pretensão de aplicação indiscriminada e retroativa da decisão do STF não pode ser aceita
Em dezembro de 2014, o Plenário do STF, no julgamento do ARE 664.335 RG, analisou discussão a respeito da negativa de concessão do benefício, sob o argumento de que a empresa fornecia ao segurado EPI inibidor de ruído, fixando duas importantes teses: (i) o direito à aposentadoria especial pressupõe efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo, de modo que se o EPI for capaz de neutralizá-lo, não haverá direito ao benefício; (ii) na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador da eficácia do EPI não descaracteriza o tempo de serviço especial.
Essa ressalva em relação ao ruído decorre do entendimento dos ministros de que, atualmente, não existiria EPI que efetivamente anule todos os efeitos nocivos do ruído – seja em função do mau uso dos padronizados protetores auriculares, seja em decorrência da constatação de que os ruídos não percorrem apenas os canais auriculares, de modo que mera exposição àquele agente seria suficiente à concessão da aposentadoria especial.
Ocorre que o julgado em questão não enfrentou objetivamente o segundo aspecto que envolve o benefício, relacionado ao seu custeio. Assim, causa preocupação e contrariedade constatar que o ARE 664.335 vem sendo invocado como fundamento à manutenção de autuações fiscais até mesmo anteriores à sua prolação e que versam sobre pagamento de adicional de RAT por empresas que sempre forneceram EPI – até então considerados eficazes pela própria União Federal, como, inclusive, defendido no ARE 664.335 – e informaram tal fato na documentação pertinente.
No próprio acórdão está consignado que a relação jurídica existente entre União/INSS e segurado não se confunde com a verificada entre União/Receita Federal e empresa a que se vincula o segurado, sendo que apenas a primeira estaria sendo analisada. A distinção entre relação tributária e previdenciária é relevante, haja vista que o empregador, no que se refere à obrigação ou não de recolher a alíquota adicional do RAT, está vinculado à legislação de regência e não à forma como se operacionaliza a relação de benefício entre os seus empregados e o INSS.
Em pelo menos dois recentes julgados do Carf – Acórdãos 2301-004.415 e 2401-003.954 – o ARE 664.335 foi invocado como motivo para manutenção de autuações fiscais relacionadas ao adicional do RAT e a fatos geradores ocorridos há cerca de dez anos. Ocorre que, ao contrário do definido pelo STF, a legislação de custeio previdenciário determina que o EPI tem potencial capacidade de reduzir a exposição do segurado a níveis toleráveis do ruído. Assim, o EPI eficaz, nos termos da legislação, que continua vigente e eficaz, elide a obrigação do empregador de recolher o adicional ao RAT.
A pretensão de aplicação indiscriminada e retroativa da decisão do STF, pertinente à concessão de benefício, à obrigação de recolhimento do adicional do RAT, não pode ser aceita pelos contribuintes e órgãos julgadores administrativos ou judiciais. As regras de regência de cada uma das relações indicadas são distintas, conforme consignado expressamente em votos proferidos no ARE 664.335. Nesse cenário que se constata não ser a presunção fixada pelo STF para fins de concessão de benefícios compatível com a presunção constante da legislação de custeio, de que o EPI elide a responsabilidade do empregador de recolhimento do adicional do RAT.
Por força de consagrados princípios da legalidade, irretroatividade, boa-fé objetiva, moralidade e segurança jurídica, incorreto considerar que contribuintes que contem com segurados expostos a ruídos, mas que tenham comprovadamente fornecido EPI considerado eficaz pelas normas de regência e, principalmente, pelo próprio INSS, estejam automaticamente obrigados ao recolhimento do adicional do RAT. Principalmente no que se refere a fatos anteriores ao julgamento do ARE 664.335.
Alessandro Mendes Cardoso e Rafael Santiago Costa são, respectivamente, sócios dos escritórios Rolim, Viotti & Leite Campos Advogados e Sérgio Santos Rodrigues Advogados
Fonte: Valor Econômico- 28/11/2016-