Representado pela Procuradoria-Geral Federal (PGF) no julgamento, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) protocolou, no final de agosto, petição para que a Corte reconsidere a suspensão de todos os processos que envolvem pedidos de desaposentação em tramitação no País – que, segundo o órgão, correspondem a pelo menos 182,1 mil ações judiciais. Caso aceito, o pedido também obrigaria o STF a julgar a questão em no máximo um ano.
A desaposentação é o processo pelo qual alguém que, após se aposentar, continua trabalhando e contribuindo para o regime de previdência pode pedir um novo cálculo de seu benefício. Como, nesse caso, a equação levaria em conta um maior tempo de contribuição, o valor mensal da aposentadoria tende a crescer. O instrumento, porém, não está previsto na legislação, e a sua legalidade ou não é alvo de debate jurídico há anos. O STF analisa o tema desde 2003.
Para embasar o pedido de suspensão dos processos que correm atualmente em primeira e segunda instâncias, o INSS alega que muitos juízes estão concedendo o benefício, antes mesmo do julgamento, pelo mecanismo da tutela de evidência. Uma decisão favorável à desaposentação do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em 2013, embasa as concessões pelo dispositivo, instituído no novo Código do Processo Civil, que entrou em vigor no início do ano. O INSS defende que, como tem caráter alimentar, o valor extra não poderia ser reavido depois pela Previdência caso o julgamento no STF decida pela ilegalidade do tema.
Um pedido inicial já havia sido feito pelo INSS em abril, baseado em outro dispositivo instituído pelo novo Código do Processo Civil. A legislação autoriza que, em casos de repercussão geral, como o Recurso Extraordinário nº 661.256, principal processo sobre o tema em votação no STF, todos as ações judiciais sejam suspensas. Além disso, o julgamento deve acontecer em um ano, tendo preferência sobre os demais. O pedido, porém, foi negado pelo relator, o ministro Luís Roberto Barroso, alegando que o processo já estaria liberado para a retomada da votação.
Um dos fatos novos na questão é que o Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), parte interessada no processo e um dos principais defensores da legalidade da desaposentação, também se posiciona a favor da suspensão. O motivo, segundo a presidente, Jane Berwanger, é a tão falada reforma da Previdência, que deve ser enviada pelo governo ao Congresso nos próximos dias. “Não se sabe o que vai sair do Congresso, mas a reforma poderá ter alguma decisão sobre a desaposentação”, argumenta Jane, para quem, mesmo que a afirmação seja paradoxal para um processo tão antigo, seria prematuro nesse caso o STF decidir algo.
Sobre a inclusão da desaposentação na discussão da reforma, a advogada relembra que tudo ainda está no campo da hipótese, já que as propostas ainda não foram colocadas à mesa. Mesmo que o governo não inclua o mecanismo, Jane argumenta que o Congresso pode criá-lo depois, nas negociações. Conforme a assessoria de imprensa da Advocacia-Geral da União, órgão ao qual a PGF é vinculada, o pedido de reconsideração foi protocolado por não ter havido indicativo do STF de quando pautará a matéria. “Somente o STF tem como prever quando irá retomar o julgamento, considerando a extensa pauta da Suprema Corte”, afirma o comunicado.
Iniciada em 2010, votação no STF ainda está empatada
Embora o primeiro recurso extraordinário sobre o tema, de número 381.367, esteja tramitando no STF desde 2003, a votação do colegiado só foi iniciada em setembro de 2010. Na época, o relator do processo, ministro Marco Aurélio Mello, votou a favor da desaposentação. Depois, outros dois casos que envolvem o tema também chegaram à corte, o RE 827.833 e o RE 661.256, este último com repercussão geral, instrumento que centraliza o tema em um julgamento. Com isso, os três recursos estão sendo votados em conjunto.
Após quatro anos parado por pedidos de vistas e as aposentadorias dos ministros Joaquim Barbosa e Ayres Britto, que haviam sido designados como relatores do RE 661.256, a votação foi reiniciada em outubro de 2014. Terceiro relator escolhido, o ministro Luís Roberto Barroso também votou a favor da desaposentação, sugerindo um cálculo que leva-se em conta os benefícios já concedidos como forma de garantir o equilíbrio atuarial do regime previdenciário.
Os dois votos seguintes, porém, foram contrários ao instrumento. Para o ministro Dias Toffoli, o caráter solidário da previdência torna legal que os aposentados continuem contribuindo caso voltem a trabalhar, ao mesmo tempo em que não há previsão legal para que se estabeleça a desaposentação. O ministro Teori Zavascki também utilizou os mesmos argumentos, lembrando que as contribuições existem para custear o sistema, não para incrementar o próprio benefício do trabalhador. Com isso, o julgamento ficou empatado em dois votos a favor e dois contrários.
Ainda em outubro de 2014, porém, o julgamento foi interrompido pelo pedido de vistas da ministra Rosa Weber. O processo foi devolvido no final de 2015, mas, desde lá, ainda aguarda ser pautado para que a votação recomece de onde parou. Caso o tema seja realmente incluído na legislação pelo Congresso antes disso, porém, é possível que o resultado não tenha efeitos práticos. No ano passado, o Congresso chegou a incluir o sistema na Medida Provisória nº 676/2015, que criou a regra 85/95, mas o item foi vetado pelo Executivo.
Impacto de até R$ 181 bilhões é contestado pelo IBDP
Um dos documentos utilizados pela PGF para questionar a desaposentação é uma nota técnica produzida pela Previdência Social, que estima em R$ 181,9 bilhões o impacto do instrumento no longo prazo. Por ano, o efeito seria de R$ 7,7 bilhões. Existiriam hoje cerca de 480 mil aposentados ainda trabalhando no País, segundo a PGF. Os números, porém, são questionados pelo IBDP. A presidente do instituto, Jane Berwanger, afirma que, mesmo se estivessem corretos, os valores representariam apenas cerca de 1% do orçamento do INSS. “Não seria isso, portanto, um grande problema. Mesmo assim, esses dados não correspondem à realidade”, defende. O tesoureiro do instituto, Emerson Costa Lemes, elaborou um estudo em que rebate os cálculos da nota técnica. As principais críticas dizem respeito à Previdência Social não ter considerado a realidade de desemprego entre os aposentados, a mortalidade entre os aposentados que continuam trabalhando antes de que possam requerer o novo benefício, além de não calcular tanto a economia com
os benefícios que seriam suspensos quanto o aumento na arrecadação decorrente da “esperança de desaposentação” – aqueles aposentados hoje informais que poderiam se formalizar para tentar melhorar a sua aposentadoria.
Fonte- Jornal do Comércio- 12/9/2016- http://jcrs.uol.com.br/_conteudo/2016/09/economia/520429-acoes-de-desaposentacao-poderao-ser-suspensas.html