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A valorização dos precedentes e o novo CPC

Em 18 de março o novo Código de Processo Civil (CPC) entrará em vigor. O projeto foi originalmente elaborado por uma comissão de juristas e contou com alterações no Senado e na Câmara dos Deputados até que fosse finalmente sancionado pela presidente, com alguns vetos, convertendo-se na Lei nº 13.105/2015.

Um dos pilares do novo CPC é a valorização da formação e aplicação dos precedentes judiciais como forma de atender à legitima necessidade de uniformização e estabilização das decisões de nossos tribunais. Algumas reformas pontuais no CPC de 1973 já refletiam essa tendência, como a técnica de julgamento liminar de ações repetitivas, julgamento de temas com repercussão geral pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e o julgamento sob a sistemática dos recursos repetitivos no Superior Tribunal de Justiça (STJ), sistemas que, se não obrigavam com força vinculante os demais órgãos jurisdicionais, passaram a incentivá-los de forma contundente a observar as decisões das Cortes Superiores.

O novo CPC aprimora essas ferramentas com o objetivo de garantir a efetiva aplicação da jurisprudência em primeiro lugar pelos próprios órgãos jurisdicionais, facilitando a defesa em caso de violação do precedente (reclamação) e criando regras rígidas para sua modificação. Mas cria também mecanismos que permitem maior democratização do processo, facilitando a cooperação e participação ativa dos jurisdicionados na formação dos precedentes, o que tem aptidão para torná-los mais legítimos, em observância às garantias do contraditório e da ampla defesa.

Se corretamente aplicada, a nova sistemática harmonizará a segurança jurídica e a isonomia

Uma das novidades mais marcantes do novo CPC com relação aos precedentes judiciais é a instituição do chamado incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR). Por esse novo sistema, uma decisão proferida por determinado Tribunal de Justiça ou Regional Federal poderá se tornar vinculante a todos os processos que tratem sobre a mesma questão de direito na área de competência do respectivo tribunal.

Poderá ser instaurado o IRDR pelo presidente do tribunal sempre que houver repetição de processos que discutam a mesma questão de direito e estando presente o risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica, a requerimento do juiz ou relator; das partes; do Ministério Público ou da Defensoria Pública. Como forma de prestigiar o interesse público no julgamento de determinada tese jurídica, o incidente será julgado inclusive quando houver desistência ou abandono da causa pela parte.

Admitido o incidente, o relator mandará suspender todos os processos pendentes na área de competência do tribunal. Em uma segunda fase, serão ouvidas as partes, demais interessados, (pessoas, órgãos e entidades com interesse na controvérsia), o Ministério Público, além de se poder designar audiência pública para ouvir pessoas com experiência e conhecimento na matéria – os chamados “amicus curiae” ou “amigos da corte” que, embora não sejam parte no processo, podem contribuir para o julgamento da causa, com argumentos e fundamentos técnicos.

A decisão proferida no IRDR será aplicada a todos os processos que discutam a mesma questão, presentes e futuros, na área de competência do Tribunal. Contra a decisão que julgar o IRDR, a depender da questão de direito em análise, caberá recurso dirigido ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e/ou ao Supremo Tribunal Federal (STF), com efeito suspensivo e com presumida repercussão geral. Julgado o mérito desses recursos, a decisão será aplicada em todo território nacional.

Outra novidade é o aprimoramento do procedimento dos chamados “recursos repetitivos” no âmbito dos tribunais superiores. Também o recurso extraordinário passa a se submeter a essa técnica, que em relação ao recurso especial foi, ademais, aprimorada. Sempre que houver repetição de recursos que discutam a mesma questão de direito, serão selecionados dois ou mais recursos para julgamento e os demais processos no território nacional que discutam a mesma matéria ficarão suspensos. Se a parte entender que seu processo trata de matéria diversa, poderá requerer seu prosseguimento, cabendo recurso contra a decisão que indeferir o pedido.

Decidida a questão em recurso extraordinário/especial repetitivo, a decisão será aplicada a todos os processos no território nacional que versem sobre a mesma matéria. O novo CPC possibilita discussões e debates sobre a tese em julgamento, realização de audiências públicas, participação de amicus curiae, requerimento de informações aos tribunais e parecer do Ministério Público.

Certamente o Poder Judiciário e os cidadãos têm a sua frente um interessante desafio. Os casos repetitivos submetidos a julgamento deverão ser muito bem estudados e selecionados, com a preocupação de que todos os fundamentos apresentados sejam analisados, sendo imprescindível a participação das entidades especializadas, associações representativas de setores da economia, sindicatos, enfim, de todos aqueles que possam contribuir para a boa formação dos precedentes.

A efetiva observância dos precedentes judiciais atende à aclamada uniformização e estabilização das decisões de nossos tribunais. Se corretamente aplicada, a nova sistemática harmonizará a segurança jurídica e a isonomia, contando com a participação democrática dos cidadãos na formação dos precedentes, o que é imperativo das garantias do contraditório e da ampla defesa. Quem sabe estejamos mais próximos de alcançar, de forma serena e segura, aquilo que foi muito bem sintetizado nas palavras de Carlos Cossio: “a lei reina, mas a jurisprudência governa”.

Fonte: Valor Econômico- 4/2/2016-
http://alfonsin.com.br/a-valorizao-dos-precedentes-e-o-novo-cpc/

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