Postado por Relações do Trabalho em 6 maio 2015 às 18:12
Não se nega que desde a vigência da Lei 8.213/1991, impondo às empresas, por meio do artigo 93, a obrigatoriedade de cumprimento de cotas de trabalhadores deficientes, houve um avanço cultural e social. As empresas, compelidas pela lei, cuidaram da acessibilidade no local de trabalho, além de promover, sistematicamente, a contratação de trabalhadores deficientes para o exercício das mais diversas funções.
Entretanto, a velocidade imposta pelo preenchimento de cotas e a baixa oferta de mão de obra geraram dificuldade natural para as empresas, expostas que foram a autuações do Ministério do Trabalho e Emprego, além das exigências paralelas que faz o Ministério Público do Trabalho.
Para o Ministério do Trabalho as autuações são provenientes de ausência de cumprimento da cota após convocação pela fiscalização para comparecimentos sistemáticos em audiências perante aquele órgão cujos resultados são previsíveis. Não há, na grande maioria dos casos, a menor condição de satisfação da obrigação legal.
O cumprimento da exigência do preenchimento de cotas induz tanto à fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego como na autuação do Ministério Público do Trabalho. Enquanto o órgão fiscalizatório (Ministério do Trabalho) impõe multa administrativa pelo descumprimento da cota, o Ministério Público do Trabalho atua no sentido de defender a efetivação do o direito ao emprego assegurado aos trabalhadores deficientes.
Perante o Ministério Público do Trabalho, a instauração de procedimento investigatório para que a empresa forneça documentos e dê satisfações das razões pelas quais não atende ao cumprimento da cota de trabalhadores deficientes pode culminar em dois resultados: (i) com a celebração de um TAC (Termo de Ajuste e Conduta) pelo qual o representante da empresa assume que, em determinado período, cumprirá a obrigação legal, com multa extremamente elevada em caso de inadimplemento do ajustado e, como título extrajudicial, autoriza o Parquet a executar diretamente a empresa; ou (ii) ação civil pública que além de exigir o cumprimento da lei de cotas pode impor às empresas indenização por dano moral coletivo.
Entretanto, entre a obrigação legal das empresas e a determinação da autoridade há um verdadeiro vazio, um vácuo a ser preenchido pelo próprio Estado que se omite diante da constatação de que se trata de obrigação quase impossível e da qual nem ele próprio tem condições de atender. Quais condições oferecem as autoridades públicas para a contratação? Dispõe o MTE ou o MPT de trabalhadores deficientes habilitados para o mercado de trabalho? O que faz o Estado para proporcionar aos trabalhadores deficientes a possibilidade de inserção no mercado de trabalho? Ou, ainda, de quais trabalhadores deficientes trata a lei? Qualificados total ou parcial profissionalmente?
A Lei 8.213/1991, no artigo 92 traz a referência ao modelo de trabalhador deficiente afirmando que “Concluído o processo de habilitação ou reabilitação social e profissional, a Previdência Social emitirá certificado individual, indicando as atividades que poderão ser exercidas pelo beneficiário, nada impedindo que este exerça outra atividade para a qual se capacitar”. E, ainda, o artigo 93 refere-se a “[…] beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas”. Deste modo, se a lei transfere para a Previdência Social a liberação de contratação de trabalhadores beneficiários habilitados ou reabilitados, não caberia aos empregadores obrigação de contratar de forma indiscriminada pessoas deficientes. A responsabilidade de criação de banco de trabalhadores com deficiência está com a Previdência Social com a indicação dos beneficiários habilitados para o trabalho.
Neste sentido, em decisão recente, os ministros da 2ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho, no Processo RR-505-97.2012.5.19.0007, em voto da lavra do ministro José Roberto Freire Pimenta parecem ter dado o tom que deve ser seguido quando se trata de preenchimento de cota de deficientes e anulou auto de infração, afirmando que a reserva de vagas deve destinar-se a “[…]trabalhadores reabilitados ou portadores de deficiência que possuam alguma habilidade para o trabalho, ou seja, cuja deficiência permita o exercício de uma atividade laboral”.
Trata-se, no nosso sentir de, uma interpretação que pode pacificar a relação entre os órgãos de fiscalização, aqui incluído o Ministério Público do Trabalho na forma de exigir das empresas o cumprimento de cotas de trabalhadores deficientes cuja reserva estaria destinada especialmente para aquele que apresentasse alguma habilidade profissional.
Há uma constatação das dificuldades do atendimento da obrigação legal de preenchimento de cotas e temos dúvidas quanto à solução do problema pelo apenamento pecuniário a que se submetem as empresas, agravando muitas vezes as condições de investimento de capital na busca de solução desse problema.
A previsão da Lei 8.213/1991, no seu artigo 93, de que as empresas estão obrigadas ao cumprimento de cotas com “[…]beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas” parece já estar merecendo uma revisão criteriosa do legislador a fim de que, ajustando-se à realidade e à experiência de 24 anos de vigência, atenda às condições do mercado de trabalho.
(*) Paulo Sergio João é advogado e professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e da Fundação Getúlio Vargas.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, por Paulo Sergio João (*), 01.05.2015;
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