Na área de segurança, o comitê de organização das Olimpíadas, com forte influência governamental, resolveu usar seus próprios órgãos para praticamente todas as áreas, terceirizando uma delas, destinada a operar equipamentos de revista em pessoas, que exigiam seis mil contratados.
Tratava-se de garantir a segurança de 10.500 atletas e das cerca de 800 mil pessoas que iriam circular ao mesmo tempo pelos locais onde se dariam os jogos, sem contar que três bilhões de pessoas acompanhariam pela TV. No total, foram previstas despesas de R$ 252 milhões com a área de segurança.
Para prestar o serviço terceirizado, Secretaria de Grandes Eventos do Ministério da Justiça resolveu fazer uma licitação pelo pregão eletrônico, cujas limitações são por demais conhecidas; e permitir empresas de recursos humanos, que poderiam oferecer preço mais barato que as de segurança.
A licitação se deu um mês antes dos jogos (na China, o treinamento do pessoal começou um ano antes), sendo vencida por uma pequena empresa do interior de Santa Catarina, a Artel Recursos Humanos, sem experiência em grandes eventos, claro que por oferecer o menor preço: R$ 17,3 milhões.
Poucos dias antes dos jogos, as autoridades teriam constatado que a Artel não tinha sequer um número mínimo de contratados e, então, rescindiram o contrato unilateralmente. Se alguém tivesse se atrevido a alertar as autoridades antes de isso tudo acontecer, dizer que o rei estava nu, teria seu nome enviado ao CADE e seria processado por estar querendo estabelecer preço mínimo em concorrência ou algo parecido, como já aconteceu com duas expressivas lideranças da área de segurança privada em São Paulo.
Tudo que essas tinham feito era denunciar empresas que ofereciam preços inexequíveis em licitações, ou seja, que preços que não cobriam sequer o que deveriam pagar aos trabalhadores. No futuro, todas as denúncias se demonstrariam corretas e as empresas deixariam de cumprir seus contratos, do que resultariam imensos problemas e muito mais gastos dos órgãos públicos. Nem por isso deixaram de ser processados e condenados.
No caso da Artel, o serviço licitado consistia em operar o sistema Mag&Bag: a revista magnética de bolsas por meio de raio-x, que exige dezenas de equipamentos, pessoas treinadas e qualificadas para sua operação.
Em licitações é comum a presença de empresas aventureiras, despreparadas, incompetentes para os serviços propostos; algumas que até participam de boa fé, mas de empresários inexperientes, que não sabem fazer cálculos. Quem tem responsabilidade de filtrá-las é ou deveria ser o pregoeiro. Mas esse se defende: ou escolhe a que oferece menor preço ou se arrisca a enfrentar o Ministério Público e o Tribunal de Contas.
É um problema gravíssimo, que autoridade alguma ousa enfrentar. Nada facilita tanto a corrupção, pois quando a vencedora da licitação quebra, logo o órgão tem que sair atrás de outra empresa contratada em regime de urgência, com outros preços, muito mais elevados. Isso para não falar das deficiências dos produtos ou serviços.
Visto que a Artel não iria cumprir o contrato, pelo menos assim dizem as autoridades, os organizadores dos jogos começaram a contratar ex- bombeiros e ex-policiais militares aposentados. E as delegações participantes começaram a contratar empresas particulares.
Certamente a improvisada contratação de pessoal avulso, milhares deles, pode trazer novas confusões e prejuízos. Contratações irregulares já resultaram em multas de centenas de milhares de Reais lavradas pelo Ministério do Trabalho contra o Comitê Olímpico.
É o governo usando funcionários públicos para multar o próprio governo. Claro também que a contratação de aposentados pode levar a mais uma intervenção de outros órgãos do Poder Público: o Ministério Público do Trabalho não aceita nem terceirizados, quanto mais avulsos trabalhando para o governo; se tivesse tempo de intervir teria exigido concurso público ou, no mínimo, que todos fossem contratados via CLT.
Nada impede que faça ações pleiteando multas etc., logo após os jogos. A Polícia Federal também poderia ter feito intervenções: quem pode desenvolver atividades desse teor são empresas de segurança.
Não se pode descartar que a maioria dos que foram chamados para esse trabalho poderá ajuizar reclamação trabalhista logo após os jogos, elevando ainda mais um gasto que poderia ter sido muito menor se fosse escolhida empresa competente na licitação, a de melhor preço e não menor preço. Tudo isso levando a mais custos por todos os órgãos e funcionários públicos que se mobilizariam nesses conflitos administrativos e jurídicos. Já não seria fácil, pois empresas sérias evitam tais certames.
A falta de treino com que irão atuar os que estão sendo chamados poderá gerar confusão com o público, acidentes que podem resultar em responsabilidade civil, danos materiais e morais, com repercussão internacional. A improvisação foi tanta que a organização do evento pediu para o pessoal convocado se apresentar às vésperas do jogo, trazendo colchão para ter onde dormir.
Calcula-se que os gastos com aposentados serão em torno de R$ 60 milhões. Aos contratados, a Artel pagaria R$ 26 por dia e o governo R$ 560. Claro que o governo pode tentar receber da Artel o que gastar, mas a prestadora terá condições de indenizar o erário? Por sua vez, a Artel poderá alegar que o governo se precipitou ao rescindir o contrato e então pedir indenização. O certo é que ainda haverá muito mais gastos e anos de processos.
O resultado, as consequências e o custo dessa licitação, deve ser aferido integralmente pelo setor de Serviços e servir como exemplo histórico dos malefícios do pregão eletrônico, da irresponsabilidade e irracionalidade que representa o não enfrentamento das dificuldades que podem separar o melhor preço do menor preço, separar o joio do trigo.
Resta torcer para que os problemas fiquem apenas por aí, e que seja resguarda a integridade das pessoas, dos turistas, dos atletas. O mundo todo estará olhando nossa capacidade de organização e de segurança.
PERCIVAL MARICATO
VICE-PRESIDENTE JURÍDICO DA CEBRASSE
11/8/2016