No dia 27 de junho, a Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (SLTI/MPOG) publicou a Instrução Normativa 5/2014, que “dispõe sobre os procedimentos administrativos básicos para a realização de pesquisa de preços para a aquisição de bens e contratação de serviços em geral”. A norma é aplicável aos órgãos e unidades da Administração Federal direta, autárquica e fundacional, que integram o Sistema de Serviços Gerais (SISG).
Sabe-se que a adequada estimativa orçamentária é um dos principais componentes da etapa preparatória das licitações. É por seu intermédio que a Administração Pública pode avaliar a compatibilidade da contratação com o preço de mercado e, assim, cumprir com as determinações do inciso X do artigo 40 e do inciso IV do artigo 43 da Lei 8.666/93, assim como do inciso XI do artigo 4º da Lei 10.520/02, no caso de pregão.
Justamente com o propósito de sistematizar e padronizar esta etapa, a IN 5/2014 – SLTI/MPOG estabelece parâmetros objetivos para a pesquisa de preços, que devem ser utilizados conforme a ordem de preferência estabelecida. Leia-se:
Art. 2º A pesquisa de preços será realizada mediante a utilização de um dos seguintes parâmetros, observada a ordem de preferência:
I – Portal de Compras Governamentais – www.comprasgovernamentais.gov.br;
II – pesquisa publicada em mídia especializada, sítios eletrônicos especializados ou de domínio amplo, desde que contenha a data e hora de acesso;
III – contratações similares de outros entes públicos, em execução ou concluídos nos 180 (cento e oitenta) dias anteriores à data da pesquisa de preços; ou
IV – pesquisa com os fornecedores.
Em verdade, a ordem e os parâmetros estabelecidos na IN 5/2014 – SLTI/MPOG refletem a prática administrativa brasileira, que encontra na pesquisa por meios eletrônicos uma forma célere e objetiva para obter os valores costumeiramente atribuídos aos contratos administrativos.
Cumpre assentar que inexiste ilegalidade no estabelecimento de ordem de prioridade de fontes para etapa de pesquisa de preços, representando esta normativa o exercício da discricionariedade que foi atribuída por lei à Administração Pública. Em outras palavras, existe uma margem de discricionariedade legalmente atribuída à Administração para a eleição dos parâmetros que serão considerados para a pesquisa de preços, de modo que reflitam os preços correntes de mercado. O que a IN 5/2014 – SLTI/MPOG faz é exercer esta discricionariedade de maneira a padronizar o procedimento para aqueles que estão sujeitos à sua regulamentação.
De todo modo, a sequência proposta pela referida normativa e a obrigatória sujeição à ordem estabelecida são aspectos que merecem reflexão.
Houve uma preferência pela pesquisa dos preços efetivamente praticados pela Administração Pública em detrimento da pesquisa de preços diretamente com os potenciais fornecedores. A opção é adequada em razão dos problemas originados pela eventual apresentação de valores com sobrepreço quando da etapa de coleta de orçamentos para a estimativa de custos do contrato.
Existe o sério risco de que os potenciais fornecedores, quando instigados a apresentar um orçamento estimado, forneçam valores acima do que é praticado, a fim de elevar a estimativa e legitimar uma contratação com preços superiores por ocasião da licitação pública.
No entanto, ao que tudo indica, a despeito da justificativa para a determinação de que a pesquisa com fornecedores deve representar o último dos parâmetros, não há fundamento para a ordem estabelecida entre os incisos I, II e III do artigo 2º da IN 5/2014 – SLTI/MPOG. Inclusive, considerando-se o teor do inciso V do art. 15 da Lei 8.666/93, não seria um disparate afirmar que a ordem entre os incisos II e III deveria ser invertida, haja vista que o parâmetro da efetiva contratação administrativa tem maior destaque na legislação do que o parâmetro das pesquisas de preços publicadas em mídia especializada.
De toda sorte, a determinação para que a pesquisa de preços seja iniciada a partir do Portal de Compras Governamentais, primeiro parâmetro da ordem estabelecida, encontra a conformidade necessária para com o disposto o referido dispositivo legal. A forma prioritária de pesquisa é instrumento que baliza as compras pelos preços praticados no âmbito da Administração Pública, razão pela qual não há como se entender que existe ilegalidade na ordem que fora estabelecida.
A pesquisa de preços por meio de contratações similares de outros entes públicos (hipótese do inciso III do artigo 2º da instrução normativa) apenas remete o procedimento à consulta de órgãos ou entidades da Administração Pública que não utilizam o Portal de Compras Governamentais. Perceba-se, no entanto, que ambos os parâmetros (incisos I e III do artigo 2º da IN 5/2014 – STLI/MPOG) atendem ao disposto na Lei 8.666/93.
De todo modo, embora o inciso V do artigo 15 da Lei 8.666/93 priorize o balizamento dos preços pelos valores praticados pela Administração Pública, o inciso IV do artigo 43 da Lei 8.666/93 determina que a verificação de conformidade das propostas ocorrerá em contraposição com os preços correntes no mercado ou fixados por órgão oficial competente, não havendo, portanto, ordem de preferência de parâmetros estabelecida de forma clara pela lei.
O parágrafo 1º do artigo 2º da IN 5/2014 – SLTI/MPOG também merece maior reflexão. Este dispositivo estabelece que a utilização do parâmetro seguinte na ordem de preferência estabelecida depende da impossibilidade de utilização do parâmetro precedente.
Ocorre que, em vez de “impossibilidade”, um termo mais adequado teria sido “impertinência” ou equivalente. A questão é que haverá casos em que, por exemplo, embora possível, a pesquisa de preços por meio da análise de contratações similares e recentes de outros entes públicos será mais eficaz do que a análise de pesquisa publicada em sites especializados. Em outros, talvez, a pesquisa na mídia especializada será principal fonte de pesquisa (diga-se, por exemplo, que a tabela FIPE represente efetivamente o valor de mercado dos automóveis), melhor até do que a pesquisa no Portal de Compras Governamentais.
Ora, é possível que as compras governamentais estejam sendo feitas acima do preço de mercado, por alguma razão. Assim, a pesquisa de preços feita de forma exclusiva por meio de levantamento de contratos administrativos análogos não revelará este fato. Deveria ter sido mantida, portanto, uma mínima discricionariedade com o agente público que trata do caso concreto, para que eventualmente avaliasse a conveniência de inverter a ordem estabelecida na instrução normativa.
Outro ponto que merece destaque é a dúvida a respeito das eventuais consequências negativas que poderiam decorrer da pesquisa pelos preços mínimos do Portal de Compras Governamentais. Em específico, o entendimento de que o orçamento estimado, quando formado a partir dos preços mínimos registrados, poderia resultar em licitações desertas, preços inexequíveis e prejuízo à fase de negociação do pregoeiro com o licitante mais bem colocado.
O receio, entretanto, não se sustenta. Em primeiro lugar, é preciso diferenciar o preço estimado, valor de referência obtido por meio da pesquisa de preços, do preço máximo, que representa o valor máximo a ser despendido pela Administração para aquela contratação.
Consciente disso, o licitante não deixará de participar do certame — o que geraria uma licitação pública deserta — acaso o preço estimado esteja cotado abaixo do valor de mercado. O preço estimado é apenas uma referência, sendo que não significa a impossibilidade de que valores maiores sejam praticados no âmbito daquela contratação.
A questão da apresentação de preços inexequíveis encontra-se no mesmo contexto. O agente público deve ter a sensibilidade de obter uma cotação de preços condizente com o que efetivamente é praticado no mercado e com o que é despendido pela Administração Pública. Ou seja, nem sempre deverão ser consultados apenas os preços mínimos já alcançados e registrados no Portal de Compras Governamentais, uma vez que esses valores podem representar preços inexequíveis. A própria IN 5/2014 SLTI/MPOG traz esta diretriz ao excluir os preços inexequíveis ou excessivamente elevados dos resultados da pesquisa de preços.
O benefício da etapa de negociação do pregoeiro durante a fase de disputa, por sua vez, somente será afetada acaso a estimativa de preços não seja condizente com a realidade do mercado. Por isso, mais uma vez, a importância de que os preços inexequíveis sejam descartados quando da coleta de resultados da pesquisa. Cabe lembrar, também, que já existe uma natural dificuldade nesta etapa de negociação. Como o pregoeiro não pode transacionar ou realizar concessões em favor do particular e como não há obrigatoriedade de aceite de redução de preços, a etapa de negociação qualifica-se como uma tarefa bastante árdua, pois são poucos os argumentos que podem ser utilizados para convencer o particular a ceder em favor do interesse público.
Outra questão, ainda, refere-se à possibilidade de que a Administração Pública utilize diferentes parâmetros para a pesquisa de preços, e não somente um, como estabelecido pela IN 5/2014 – SLTI/MPOG.
Isto é possível, eventualmente. Aliás, caso o agente público não esteja seguro a respeito da conformidade dos preços coletados com o mercado, a recomendação é que utilize mais de um parâmetro dentre aqueles designados pela normativa. Muito embora haja a determinação de que a ordem dos parâmetros estabelecida deve ser obedecida, nada impede a utilização de mais de um parâmetro para balizar o preço estimado.
Pelo contrário, em caso de dúvida a respeito da consistência das informações, tal medida representa um ato de precaução e previdência por parte do agente público, em plena conformidade com os princípios que regem a função administrativa. De qualquer sorte, não é possível concluir que a mera utilização de diferentes parâmetros resultará numa estimativa mais apurada, haja vista que a prática revela a existência de distorções nessas informações, como é o caso de apresentação de orçamentos com sobrepreço.
Anote-se que algumas particularidades poderiam ter sido inseridas na IN 5/2014 – SLTI/MPOG, para que outras práticas recomendadas fossem registradas de forma expressa.
Por exemplo, a normativa poderia ter disposto que a estimativa de preços deve levar em conta o preço corrente da praça específica onde será feita a licitação, considerando-se as regionalidades, quando existentes. Ou ainda, poderia ter explicitado que a apresentação de orçamento na etapa de pesquisa não traz qualquer obrigação ou vinculação ao fornecedor, haja vista que existem casos concretos em que a Administração não aceita proposta comercial cujo preço é superior àquele apresentado pelo mesmo licitante na etapa de pesquisa de preços.
Poderia também ter registrado que a estimativa de preços não vincula a licitação, sendo possível a aquisição do objeto por preços superiores ou inferiores, ou mesmo a possibilidade de aplicação de índices deflatores sobre as pesquisas de fornecedores, quando a prática administrativa demonstrar que aquele determinado objeto costuma ser cotado com sobrepreço pelos potenciais fornecedores.
Outra constatação importante é a de que não há impedimento para que as diretrizes propostas nesta norma sejam adotadas pelos Estados e Municípios. Isso porque a IN 5/2014 – SLTI/MPOG é um ato administrativo e, como tal, sujeita-se aos limites da lei. Assim sendo, a presunção é de que a sua expedição se coaduna com a legalidade, pelo que, em tese, qualquer outro ente poderia tê-la expedido.
Dessa sorte, para fins práticos, o seu conteúdo representa mera regulamentação do inciso V do artigo 15, do inciso X do artigo 40 e do inciso IV do artigo 43 da Lei 8.666/93. Ou seja, não há nada que impeça seja o conteúdo da IN 5/2014 – SLTI/MPOG copiado por outros entes federados, que poderão expedir seus próprios atos regulamentadores, com teor idêntico ou semelhante — seja na forma de instrução normativa, seja na forma de decreto, por exemplo.
A questão é que a padronização de procedimentos, desde que bem planejada e razoavelmente flexível, tem como consequência uma maior eficiência na gestão administrativa, seja porque permite um controle mais apurado ou porque estende a todos os órgãos da Administração Pública uma prática já aprovada em termos de eficiência e legalidade.
Uma estimativa de preços apropriada confere segurança muito maior na etapa de análise de exequibilidade da proposta, permitindo a aferição da economicidade do contrato. Aliás, sobre isso, não é raro encontrar situações em que o pregoeiro, após o recebimento das propostas, promove nova pesquisa de preços no mercado para validar aquela que consta do processo licitatório e se certificar de que o valor do futuro contrato encontra-se em consonância com o que é efetivamente praticado.
Mas não é só isso. Uma boa pesquisa de preços é essencial também para a verificação a respeito da existência de recursos orçamentários para determinada contratação, sendo por seu intermédio que, muitas vezes, também, a Administração Pública terá parâmetro para eleger a modalidade de licitação apropriada.
Afora a procedimentalização e a padronização, um grande avanço da referida instrução normativa foi a determinação de que a pesquisa de preços, quando realizada com os fornecedores, deverá ser precedida de solicitação formal para a apresentação de cotação (artigo 3º). O dispositivo reconhece a necessidade de que os diálogos público-privados ocorram no âmbito de processo administrativo. Ou seja, admite-se a existência e a necessidade desse diálogo, determinando-se que se suceda em conformidade com os princípios de direito administrativo, especialmente no que diz respeito à formalização das comunicações.
Trata-se de medida que confere maior transparência a esta etapa preparatória das licitações públicas, diminuindo-se, de um lado, os riscos de imoralidades e de captura do interesse público, e de outro, fomentando-se o tratamento isonômico e a possibilidade de controle.
Em síntese, a despeito da análise crítica, a IN 5/2014 – SLTI/MPOG é ora recebida com otimismo, já que carrega potencial para conferir eficiência, isonomia, padronização procedimental e maior transparência para a etapa preparatória das licitações públicas.
Por Gustavo Justino de Oliveira e Gustavo Henrique Carvalho Schiefler
Gustavo Justino de Oliveira é pós-doutor em Direito Administrativo pela Universidade de Coimbra, professor de Direito Administrativo da USP e consultor em Direito Público e do Terceiro Setor. Sócio-fundador do escritório Justino de Oliveira Advogados.
Gustavo Henrique Carvalho Schiefler é coordenador jurídico do escritório Justino de Oliveira Advogados. Doutorando em Direito do Estado na Universidade de São Paulo (USP), mestre e bacharel em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Fonte- Conjur- 19/8/2014.